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O Facebook tirou os anos 80 da toca

Este artigo foi escrito por Wander Levy, um dos melhores redatores e diretores de criação que o Brasil já conheceu. Fora isso, uma pessoa de rara coragem. A leitura é obrigatória para publicitários e anunciantes, mas se você não for um nem outro valerá a pena também pela qualidade do texto. O original, com comentários, está aqui.

Recebi um convite de um cara chamado Levi para participar de um grupo no Facebook chamado anos 80. Sem saber direito quem era o Levi e imaginando que o grupo tinha como objetivo levantar coisas interessantes que aconteceram nesta década, aceitei, mas nem me preocupei em dar uma visitada no espaço.
Alguns dias depois recebi uma mensagem do Facebook dizendo que o Luiz Saindeberg, um grande diretor de arte do passado, tinha postado um story board que fizera outrora.
Entrei no link por curiosidade e me deparei com uma obra de arte. O story board do Saindeberg era simplesmente um primor detalhando cada momento, cada ângulo de cena, cada take. Imediatamente deixei um comentário elogioso e foi uma avalanche de postagens. Diretores renomados como o Julinho Xavier comentando que há séculos não recebia um material assim, apenas roteiros grotescos, sem pé nem cabeça. Outros, mais saudosistas, afirmando que isso era de uma época em que os diretores de arte sabiam desenhar e os redatores, escrever.
A partir daí, a discussão pegou fogo, o grupo foi crescendo e temas importantes que estavam escondidos debaixo dos computadores e da mediocridade das novas gerações de criadores afloraram.
Iniciou-se uma intensa discussão sobre o elo perdido. Ou, para ser mais explícito, em que momento a propaganda brasileira deixou de ser inovadora, bem humorada e extremamente criativa para se tornar o que vemos hoje: centenas de peças medíocres que copiam milhares de outras peças medíocres.
Eu participei de uma facção que acusa com todas as letras que o responsável direto por esta deterioração criativa foi a derrocada do negócio com o achatamento das taxas comissionais legais.
Mais: que esta deterioração foi iniciada pelo Washington na antiga W-GGK a qual acompanhei bem de perto porque eu tinha sido diretor de criação da GGK e mantinha um bom relacionamento com o Peter Erzberger, o suiço que trouxe a agência para o Brasil e me contava tudo que estava rolando por lá.
O Washington precisava mostrar resultados muito rapidamente e, para isto, fez aquilo que nunca deveria ter feito: trabalhou quase de graça para um monte de anunciantes, inclusive para não anunciantes como o Posto São Paulo, um pequena rede regional distribuidora de combustível que jamais teve bala para fazer nem outdoor e ganhou campanha na Globo com música de Roberto Carlos. Quem pagou? A agência que ganhou um monte de prêmios e a graça da mídia.
O Nizan, seu fiel escudeiro na época, utilizou a mesma receita na sua DM9 e saiu batendo nas portas dos anunciantes, clientes de boas e profissionais agências, oferecendo taxas irrisórias pelo seu talento.
Aliás, o Nizan botou mais pimenta na receita porque, apesar de talentoso, ele é um tremendo predador.
Mais uma vez, o filme deu certo.
O resto da história todo mundo conhece. Os Gamas, Loduccas e similares sairam da DM9 e o filme já desbotado gerou inúmeras agências “criativas” capengas que até hoje usam e abusam da semi-escravidão recrutando hordas de recém-formados que se sujeitam a trabalhar 12/13/14 horas por dia por um trocado em busca da fama.
Nos anos 80 os empresários dirigiam o negócio com competência, os criativos dirigiam a comunição com talento e os anunciantes pagavam muito bem por isso.
A partir dos anos 90 os criativos passaram a dirigir um negócio que só se sustenta porque é tocado em cima do esforço insano da garotada.
Só para vocês terem uma idéia, uma agência como a Denison na década de 80 tinha mais de uma dezena de duplas de criação formada por gente grande, dava para fazer rodízio na direção de criação porque qualquer um ali tinha estatura para isso.
Hoje estas agêncinhas dos chamados criativos contam, no máximo, com 3 ou 4 profissionais formados e um monte de estagiários que ralam para se manterem ali dentro porque sabem que há uma fila lá fora de olho em suas vagas mal remuneradas.
Conheço muito bem cada um destes novos dirigentes e posso dizer com absoluta segurança que a grande maioria deles não trabalharia em uma agência que eu dirigisse nem como redator ou diretor de arte júnior.
São tão medíocres quanto o trabalho que suas agências produzem.
O pior, nós aceitamos isso e deixamos que estes falsos mitos se fizessem e assumissem o negócio da propaganda no Brasil.
Hoje só podemos ficar discutindo o nosso erro ou omissão no Facebook.
Melhor do que nada.
PS.: o Levi trabalhou comigo em uma agência que tive em São Paulo chamada UP e foi dele a idéia de se criar o grupo “Anos 80”. Viva o Levi.

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