Autor: Luiz Piovesana
Lembra-se quando, há uns seis ou sete anos, você poderia testar sua conexão e configuração de áudio no Skype fazendo uma chamada com a Echo, a “assistente amigável”?
Em 2009, isso certamente chamou a minha atenção. Afinal, era um sistema automático, focado em te ajudar a resolver um problema de configuração no software. Nada de menus ou páginas de FAQ. Naqueles dias, parecia incrivelmente simples: uma ideia que poderia ser copiada!
Ao longo dos anos, a preocupação dos times em design cresceu muito, puxada por um cuidado cada vez maior com a experiência do usuário, dando poder a quem está usando – e não a quem está criando. Em 2009, quando o parâmetro de design ainda se limitava primariamente à interface visual, um assistente como a Echo (que não tinha nem cara, apenas uma voz) era o próximo passo natural.
Felizmente, a Internet evoluiu. Design é obrigação nos produtos de hoje. E enquanto a Echo ainda não tem cara, outros assistentes amigáveis se tornaram muito mais inteligentes, charmosos e interessantes. Temos a Siri da Apple, a Cortana da Microsoft e o assistente do Google, lançado esse ano. Mas o que realmente são esses assistentes? Eles realmente compõem alguma “classe” de softwares? O que eles têm em comum? Ou, dando um passo atrás, de onde vieram e por que se tornaram importantes?
Em linhas gerais, um bot é apenas um software que realiza a função de ser uma interface entre um software ou sistema e o usuário humano. Isso é, da mesma forma que menus, botões e telas são importantes em qualquer sistema user-friendly, um bot usa linguagem natural humana, ajudando o usuário a navegar e tirar o máximo proveito de um software.
É como se aqueles wizards de instalação e tour pelas funcionalidades tomassem “vida” e te mostrassem as funcionalidades de um produto, tirando suas dúvidas e conversando como se fosse alguém do time de suporte. É por isso que eles são uma feature de design.
E essa tendência cresceu tanto em 2016 porque chegamos ao momento da história em que a tecnologia permite isso em larga escala. Hoje, há sistemas de fácil implementação que oferecem funcionalidades de Inteligência Artificial e Aprendizado de Máquina, tudo via API. Isso é, qualquer programador que está lançando um software, e quer implementar um bot poderá fazê-lo com muito menos dificuldade do que ocorria há dois ou três anos.
Mas não se empolgue, nem se assuste: bots não são inteligentes, eles apenas se fazem parecer. Os robôs não estão vindo para nos dominar.
Mas talvez os bots estejam vindo para dominar as APIs.
Um novo paradigma: bots sobrepujam as APIs
Se a dominação do mundo pelas máquinas está começando com uma “guerra civil” entre bots e APIs, é bom que nós humanos façamos uma análise cuidadosa da situação.
Afinal, os últimos anos têm mostrado um crescimento espantoso das APIs. E a tendência dos bots se expandiu de forma tão consistente que grandes veículos de mídia (como o Venture Beat) já decretaram o fim das APIs.
Calma, lá! Não acredito que o mundo seja assim tão pequeno para os dois. Vamos entender o motivo.
Em primeiro lugar, os bots receberam atenção da mídia com o lançamento de alguns produtos de grandes empresas. Como as já citadas Apple, Microsoft e Google, também vimos movimentações da Amazon com seu assistente doméstico (curiosamente nomeado Echo) e do Facebook. Não custa também comentar do Slack, que além de app para comunicação, não deixa de ser uma plataforma para desenvolvimento de bots.
Essas grandes empresas continuam planejando ações em torno da melhoria de suas interfaces e do design de seus produtos. Algo que elas sempre fizeram. Particularmente, a Apple sempre deu grande valor a isso, e não é coincidência que seu assistente foi um dos primeiros.
O segundo ponto é considerar que os bots são realmente úteis. Um assistente automático, que pode gerenciar tanto as funções de front-end, ajudando diretamente usuários, quanto de back-end, alterando configurações, coletando dados e aprendendo a ser melhor enquanto faz isso, é como se fosse o funcionário perfeito. E não reclama de nada!
Pensando por dois minutos e vendo os bots já criados, há diversos aspectos do dia a dia que podem ser impactados por uma tecnologia como essa:
– Suporte a serviços;
– Chats e apps de mensagem instantânea (Google Allo é a maior novidade, apesar de não ter tido um resultado tão bacana);
– Compras;
– Os já “quase populares” assistentes pessoais.
Quem pode colocar um bot em seu software provavelmente já está pensando em uma melhoria de médio a longo prazo. Um investimento real: os bots tornam-se um ativo para as empresas que os criam.
Terceiro lugar: os bots podem se comunicar entre si, possibilitando integrações ad hoc. Aqui a situação começa a ficar mais cabeluda (para as APIs).
Por exemplo, se eu pedir que meu assistente pessoal me diga os resultados das eleições no Zimbábue, talvez ele não tenha essa informação disponível de imediato, mas possa entrar em contato com outro bot que dá informações políticas sobre países africanos.
Outro exemplo menos mirabolante: um bot de assistência financeira criado por um banco, que entra em contato com os bots de diversos serviços, pedindo notas fiscais e outros documentos.
Assim, os bots poderiam reduzir a quantidade de padrões e complexidade em entender problemas, tanto para humanos quanto para outros bots, usando uma linguagem neutra. Instruções de integração com outras APIs e bots, escritas em inglês (ou outro idioma) serviriam tanto para humanos quanto bots.
Desse ponto de vista, fica bem claro que em termos de capacidade funcional, os bots compõem um conjunto que engloba as APIs. Em outras palavras, eles podem fazer tudo que as APIs fazem, e muito mais. Talvez até de forma automática e com menos intervenção humana.
Will Smith não gostava de robôs
No filme Eu, Robô, o personagem de Will Smith não gostava dos robôs. Ele desconfiava fortemente de todas as suas ações e das palavras proferidas por eles, mesmo que em tese, não pudessem mentir. E o que nós devemos sentir sobre os bots?
Bom, mesmo com todas as vantagens, realmente não acho que faz sentido colocar um fim nas APIs por conta da nova tendência. Trata-se sim de uma nova forma de integrar sistemas, talvez com capacidade de gerar inovações inexploradas para o mercado de APIs.
Dependendo de como as integrações forem feitas na prática pelos bots, é bem possível que as APIs continuem tendo exatamente o mesmo papel que tem. E os bots seriam uma evolução natural. Aquela camada de interface que não havia antes, e que passa a ser tão útil e necessária quanto são as telas intuitivas e os menus customizáveis hoje em dia.
Os bots aumentam as chances de aquecer a questão de integrações entre softwares e colocar o cliente (usuário direto ou indireto das integrações) como pilar central nessa nova economia. Uma vez que temos ainda mais preocupação com as necessidades e dores de nossos clientes, os bots poderão auxiliá-los na jornada dentro dos novos softwares.
Outro ponto ainda é o tipo e volume de dados trocados com essas integrações. Os assistentes que temos hoje em dia possuem uma série de serviços integrados – adivinhe – ponto a ponto. Isso é, a equipe do Google não ensinou seu assistente a fazer nada. Os bots ainda não estão aprendendo nada. A maioria dos bots comerciais como os do Slack e Telegram ainda não usam Machine Learning. Apesar de ser possível construir bots inteligentes, eles ainda são incomuns. O Google possui acesso aos dados do Google (busca, mapas, recomendações, tradução), além de algumas outras APIs externas. Com um polimento de linguagem natural humana, o bot pode fazer bastante coisa para os usuários. Mas ele aparenta ser mais do que realmente é.
Em termos das integrações bem estabelecidas, aquelas essenciais a um determinado negócio provavelmente receberão um carinho maior dos times de desenvolvimento, via APIs, como é hoje e dificilmente mudará. Já os bots podem acabar coletando informações pontuais e sugerindo novas possíveis integrações a partir de pedidos frequentes dos clientes.
Então, até que o atual paradigma de desenvolvimento e integração de software fique obsoleto, e até que comecemos a ver os bots agindo e aprendendo de fato, as APIs continuam como estão. Menos especulação e mais fatos, por favor!
E prever isso não é nenhum exagero: mesmo que os bots estejam crescendo, as APIs passaram a ganhar mais evidência em estratégias de negócios, e até agora não demonstraram nenhum sinal de queda.
A morte das APIs?
Hoje, as APIs ocupam o espaço vago entre diferentes softwares. É claro que que se uma aplicação X está integrada com uma Y, então elas juntas podem oferecer vantagens que somente X e Y sozinhas não poderiam. Logo, se integrar é bom, APIs são ótimas!
Porém, nem sempre isso é fácil. E fazer integrações pontuais (escolhendo alguns parceiros para integrar, mas impossibilitando a inovação aberta) tem inúmeras vantagens, mas também alguns gargalos.
Afinal, integrar dois softwares é algo que demanda um certo nível de planejamento, estudo das APIs e implementação das integrações em si. Também é necessário ficar atento a mudanças nas APIs dos serviços, já que isso pode exigir que integrações sejam refeitas.
Em um mundo de bots inteligentes, as necessidades do parágrafo anterior podem sumir. Se um dado serviço ainda não é integrado, pode ser uma barreira de entrada para novos clientes, ou uma vantagem competitiva da concorrência. Os bots detectaram um aumento na quantidade de clientes pedindo pela integração Z? Então ela pode ser feita em back-end, por um “bot programador”, e voilá! Adeus integrações pontuais.
Além disso, alterações nas APIs já integradas podem ser mais facilmente corrigidas pelos bots, dependendo do tipo de alteração e de como a sua comunicação é feita. Até no caso em que os serviços não tenham API, mas bots capazes de reagir a estímulos externos, será possível trocar dados relevantes.
Talvez isso mude até a forma como encaramos a criação de APIs. Ao invés de uma ferramenta desenhada para implementação por um programador, elas podem ser simplificadas para serem acessadas por bots que falam linguagem humana. Pode ser uma redefinição do paradigma anterior.
Ou seja, a API deixa de ser central na questão de integrações, e passa a ser uma das alternativas possíveis, uma entre outras opções. Mesmo um bot sendo bem mais complexo de implementar, o ganho em eficiência, eficácia e flexibilidade pode compensar.
Talvez não das APIs, mas e o fim das apps?
Outra previsão – na minha opinião, menos exagerada – é a de que os bots significarão o fim das aplicações. Hoje, temos um combo poderoso, em forma de sistema operacional e aplicações instaladas. Isso cria “estações particulares”, em que cada smartphone e desktop no mundo é diferente de todos os outros. Quase como uma impressão digital, as apps que você instalou no seu celular o diferenciam de 99,9% dos celulares da mesma marca e modelo.
Em boa parte, essa tendência está acompanhada dos web apps, acessíveis diretamente pelo seu navegador. Assim, mesmo um computador que tenha apenas um web browser instalado pode fazer muito.
E mesmo que tudo que sabemos sobre os bots não dê em nada, os downloads de apps estão diminuindo mês a mês. E a frequência de uso de apenas alguns apps, todos os dias, só aumenta. Pense bem: quantos apps você abre por dia?
Por outro lado, se o futuro dos bots realmente se concretizar, teremos uma lógica ainda mais flexível, levando a computação pessoal para o ponto em que cada pessoa no mundo interage com a Internet e seus dispositivos através de um (seu assistente pessoal) ou vários bots.
E de uma forma ou de outra, isso amarra a nossa discussão nesse artigo: no começo dele, citei os bots que estão em evidência. Siri, Cortana, Echo, Allo.
Não me parece coincidência que os maiores desenvolvedores de apps dos dias atuais são aqueles que mais estão investindo em seus setores de inteligência artificial para criação de bots cada vez mais úteis. A IBM tem feito coisas incríveis, sendo uma das mais recentes o trailer de um filme de terror completamente editado pelo IBM Watson. E o supercomputador conseguiu capturar muito bem a sensação de medo!
O que veremos nos próximos três ou cinco anos é imprevisível. Creio que as APIs continuarão crescendo, mas pode ser que a experiência de usuário mude muito. E pode ser que sua próxima experiência não seja nas telas de uma aplicação, mas sim conversando com um bot.
Luiz Piovesana é gerente de marketing da Sensedia.