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Gestor não inspira nada, tem de ser líder

Autor: Wagner Siqueira
Em entrevista à imprensa no último dia 23 de março, a propósito do lançamento de mais um de seus livros de memórias, o presidente Fernando Henrique Cardoso declara: “gestor não inspira nada, tem de ser líder”. Tal entrevista enseja um sem-número de reflexões sobre os papéis e funções essenciais do gestor e do líder, enfim, do administrador. Prefiro aproveitar o momento para discorrer, a título de provocação intelectual, à comunidade profissional da Administração, com a sequente indagação: líderes, uma espécie em extinção? O gestor nada inspira? Se positiva a resposta a tais questões, o que devemos fazer como profissionais da gestão para escapar de tal encilhamento?
Eis o tamanho do desafio que se coloca para a nossa classe. Vão aí, assim, algumas reflexões para debate, que suscitam muitas concordâncias e discordâncias mas, acima, de tudo, muitas complementações, correções e reparos. Os escândalos de todos os dias, amplamente trombeteados pela imprensa em todo o mundo, têm gravitado em torno de duas questões centrais, vitais para o nosso cotidiano: a corrupção generalizada – governamental e empresarial, nacional e internacional – e a escassez de lideranças.
Vivemos uma crise total dos valores morais no mundo das organizações em geral e uma lacuna crescente de referências e de modelos a serem seguidos nas suas direções. Essa falência moral e ética está a exigir um gigantesco esforço de regeneração que somente será viável se as instituições públicas e empresariais contarem não apenas com bons gerentes e executivos, mas com líderes dispostos a assumirem os destinos da sociedade.
Essas duas questões, ou seja, a degradação das organizações públicas e particulares e a escassez de lideranças são confluentes, sinérgicas, fecundam-se reciprocamente, uma alimenta a outra. A degenerescência de costumes de indivíduos e de instituições cada vez mais se cristaliza. Se houvesse uma lei de determinismo na história, talvez a única a subsistir fosse a decadência e a degeneração.
Nunca se falou tanto em líderes, no papel do líder, na importância da liderança. Há uma pletórica profusão de livros sobre liderança, com adjetivação de distintos tipos de líderes. Mas nunca também se formou tantos gerentes e executivos para a conformação e a rotina, para fazer o que já está no gibi, nos manuais de processos de trabalho, para a repetição monocórdia do que já existe e do como é feito.
Os verdadeiros líderes raramente sobrevivem nas organizações castradoras da atual sociedade de mercado. Por isso, nossas organizações são repletas de gerentes e de executivos, mas vazias de líderes. Por isso, nossas organizações sucumbem dóceis ao despotismo de qualquer Zé da Silva ousado e audaz que circunstancialmente empolgue o poder no mundo das organizações e no universo da sociedade. Vivemos ao sabor de lideranças postiças do tipo “Sassa´Mutema” ou do “Caçador de Marajás”.
O verdadeiro líder sente-se, a um só tempo, insatisfeito e decidido, insuficiente e confiante, aprendiz e mestre, professor e aluno, interdependente e autônomo, aberto e convicto, neto e avô, pai e filho. É esta dualidade, aparentemente contraditória, que faz dele uma pessoa “igual”, mas “diferente”; sólida, mas sensível; solitária, mas solidária. É a simultaneidade desta dualidade que o torna um visionário realista, alguém que busca ansiosamente aprender com os outros e ensinar também aos outros. Em verdade, é isso que o leva a aprender enquanto ensina e a ensinar enquanto aprende. É por isso que o verdadeiro líder se sente mais forte e confortável num contexto de líderes autênticos e não numa corriola de abúlicos, envolto por um bando de carneiros de balido sonoro e de pêlo sedoso.
Qual o paradeiro dos verdadeiros líderes nos dias atuais? Onde estão? Por que sumiram do cotidiano de nossas organizações? Em verdade, eles estão por perto, à nossa volta, próximos de nós, mas não os identificamos facilmente. São visíveis, iguais a nós, mas perdemos a capacidade de percebê-los. Olhamos, mas não os vemos. Somos piores do que um cego porque não os queremos ver. Muito menos resgatá-los para o exercício das verdadeiras missões para as quais se deveriam destinar.
Torna-se difícil identificá-los na medida em que sua autoridade e autonomia se acham cada vez mais corroídas por forças organizacionais, políticas e sociais, culturais e institucionais sobre as quais eles exercem pouco ou nenhum domínio. Eis aí a constatação cética ou mesmo pessimista de um problema que se dissemina incontrolavelmente nos ambientes organizacionais da gestão pública ou privada, que ameaça transformar-se em epidemia a minar todo o universo das relações humanas dedicadas à realização do trabalho.
Vazia de lideranças, mas repleta de gerentes e de executivos, é como se a humanidade estivesse pouco a pouco perdendo o controle de seu próprio destino. Temos que sonhar com o renascimento urgente e impostergável de um novo Homero ou de um Heródoto que venham, um dia, a serem capazes de mostrar-nos novamente as características e desígnios, as coerências e circunvoluções dessa humanidade sem direção e sem sentido, porque despojada de um efetivo processo de liderança que compatibilize simultaneamente as características e peculiaridades do líder, dos liderados e da situação vivida.
O processo de liderança é, a um só tempo, função do líder, dos liderados e da situação. O estilo de liderança tem absoluta relevância sobre os resultados da ação organizacional, do trabalho em equipe, da motivação humana, do trabalho decente, dos níveis de compromisso e de autenticidade das relações sociais existentes no cotidiano.
Líderes, uma espécie em extinção, estão espalhados em distintas atividades de consultoria e de mentoring, de coaching e de counseling, de mediação e de arbitragem. Contemporizam, pleiteiam, vão aqui e ali, apartam dissensões, estimulam encontros em meio a tantos desencontros. Antes de tudo, porém, induzem pessoas por meio de medo ou da venda de ilusões. Acompanham tendências e fazem da inautenticidade a prática de do cotidiano. Tornam-se especialistas em dissimular o que pensam, jamais expressam com genuinidade as suas opiniões e convicções. Estão sempre com o radar ligado para agradar aos seus stakeholders. Na arte da guerra, em vez de se dedicarem à estratégia do ataque e do avanço, da luta de conquista, preferem posições conservadoras das trincheiras de autodefesa.
Não estão mais à altura do tamanho das crises que vivemos. Focados no maquiavelismo do sucesso pessoal não titubeiam diante das repercussões inadequadas que suas ações possam ocasionar aos circunstantes, principalmente às organizações a que prestam serviços. E, assim, já não temos mais líderes para empolgarem instituições que efetivamente se defrontem com as crises do nosso tempo.
 
Wagner Siqueira é presidente do Conselho Federal de Administração.

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