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Tempos de liderança coletiva

Autora: Katia Nekandaris
Vivemos, atualmente, numa MuVUCA, ou seja, num Mundo VUCA, onde criamos coletivamente resultados globais que nenhum indivíduo isolado deseja: nacionalismos radicais, alterações climáticas, destruição de ecossistemas, crescente escassez de água, desemprego juvenil, pobreza incorporada, desigualdade, terrorismo, violência entre tantos outros.
VUCA é um acrônimo que foi adotado pelo US Army College para descrever o ambiente político-militar dos EUA pós guerra fria no final da década de 90, e o seu significado, traduzido do inglês, é Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo. Não foi por acaso que uma sigla militar, que representa um ambiente hostil e de pós-guerra, passou a ser adotada pelas escolas estratégicas de negócios para descrever o ambiente caótico, turbulento e em rápidas e constantes mudanças que representa o cotidiano das organizações e seus líderes. 
No âmbito organizacional, além de lidar com os impactos (diretos ou indiretos) desses mesmos desafios globais, as empresas e suas lideranças enfrentam o acelerado ritmo da mudança e sua crescente complexidade. As estruturas matriciais e multiculturais, o poder baseado cada vez mais em cargos e relacionamentos, as novas tecnologias, a diversidade geracional, os novos competidores, as instabilidades econômicas e políticas, a multiplicidade de atores (sociedade civil, consumidores, governo, ONG´s etc.), a diversidade interna e externa, tudo isso torna o ambiente corporativo altamente complexo e competitivo. Nesse contexto, a necessidade de se desenvolver uma nova capacidade de liderança, que encare os desafios de forma mais consciente, sistêmica e estratégica é primordial para criar novos e sustentáveis resultados para o futuro.
O mundo está cada vez mais interconectado. E para lidar com todo esse cenário VUCA e transformar seus desafios de complexidade, interdependência e urgência em oportunidades e resultados que tragam prosperidade e sustentabilidade positivos, precisamos mais do que paixão, capacidades individuais desenvolvidas, intuição ou planos bem feitos. As soluções já não se encontram mais de forma isolada e fragmentada. É necessário, portanto, rever a forma como lideramos e colaboramos. A realidade deixa de ser dicotômica e maniqueísta: ou isso ou aquilo; líder x liderado.  
Há dezenas, talvez centenas de definições diferentes de liderança. Sob uma perspectiva mais genérica, liderança é vista como um tripé: um líder, um conjunto de liderados e um objetivo comum a alcançar. Da mesma forma, a prática da liderança é essencialmente a prática de líderes e seguidores interagindo em torno de objetivos compartilhados.
Na medida em que os contextos de liderança tornam-se mais complexos, conectados e sistêmicos, exigindo maior colaboração e novas competências, o tripé de líderes, seguidores e objetivos comuns impõe cada vez mais limitações à teoria e prática da liderança.
Mais do que nunca, num mundo de rápidas mudanças, as organizações sentem a necessidade de uma liderança efetiva. Como resultado disso, gestores são demandados a se tornarem líderes melhores. Articular uma visão clara, engajar seus funcionários, desenvolver talentos, ter um mindset global, pensar estrategicamente, criar soluções ganha-ganha, alavancar e fortalecer a diversidade, comunicar-se de forma efetiva, manter as pessoas comprometidas, ser um aprendiz ágil. Se por um lado essas demandas fazem sentido, por outro tudo isso representa uma sobrecarga. Primeiro, a lista de características e comportamentos parece sem fim. É como se cada uma das qualidades positivas do ser humano fosse transformada em pré-requisitos para ser um líder efetivo. Segundo, algumas das demandas são às vezes contraditórias. Gestores são cobrados a assumirem responsabilidades, ao mesmo tempo em que devem empoderar outras pessoas; são cobrados para manterem-se politicamente seguros, mas também para serem autênticos; são solicitados a desenvolverem sua flexibilidade, mas também a manterem-se firmes em suas posições.
Em meio a este cenário, é imperativo dar um passo adiante e ter um approach diferente com relação à prática de liderança. Ao invés de colocar todo o peso da gestão em um indivíduo e suas capacidades, é importante analisar como todo o coletivo é envolvido em fazer a liderança acontecer. Claro que é importante o desenvolvimento contínuo dos potenciais e capacidades individuais, porém isso por si só já não basta para fazer com que a liderança ocorra em grupos, organizações e sociedade. 
O que significa fazer a liderança acontecer? Primeiro, em uma perspectiva sistêmica, a liderança acontece nas interações e trocas entre pessoas que compartilham o trabalho. Ela ocorre dentro de times, forças tarefa, divisões, comunidades, cadeia de valor e organizações inteiras. A liderança acontece por meio dos níveis e funções, ou seja, coletivamente. 
E, para isso, é necessário ter um acordo negociado em um coletivo sobre metas, objetivos e missão, ou seja, ter uma Direção clara. É necessário que exista uma organização e coordenação integrada sobre os diferentes aspectos do trabalho para que haja uma entrega efetiva à serviço da direção compartilhada, ou seja, Alinhamento. E também há a necessidade de que as pessoas individualmente tenham disponibilidade de abrir mão de seus próprios interesses em função do que é benéfico para o coletivo: Comprometimento.
Esses três outcomes: Direção, Alinhamento e Comprometimento – DAC – faz com que seja possível indivíduos trabalharem juntos de forma efetiva para alcançarem resultados coletivos e é como o CCL – Center for Creative Leadership – define Liderança. A presença desses três outcomes atuando de forma equilibrada e conjunta é o que garante a efetividade da liderança em uma organização. Dessa forma, a proposta é que a liderança seja percebida não do ponto de vista do indivíduo que se baseia no tripé Líder, Liderado e objetivo comum, mas sim no tripé dos outputs do processo de Liderança: Direção, Alinhamento e Comprometimento.
E o que muda na prática? Com o tripé clássico a teoria da Liderança procura explicar o que caracteriza os líderes e como eles influenciam os seguidores. Com o DAC a teoria da liderança explica como as pessoas que compartilham o trabalho coletivo produzem direção, alinhamento e comprometimento para a obtenção da performance almejada. As questões essenciais da Liderança Coletiva abordariam a natureza e a criação da direção compartilhada, a forma, técnicas e usos do alinhamento e a variedade e tipos de compromissos bem como o seu desenvolvimento e renovação. O foco deixaria de ser no indivíduo e suas habilidades e passaria a ser no contexto e processo de liderança e seus resultados e impactos no coletivo. 
Dentro dessa perspectiva, as capacidades necessárias para a Liderança Coletiva também se tornam diferentes das requeridas dos líderes no passado. Novas formas de pensar, de enxergar e entender o mundo de forma mais interdependente, sistêmica e estratégica são demandadas. Além disso, habilidades como colaboração, gestão de polaridades, diálogos generativos, escuta empática, trabalho em rede, inovação, co-criação, entre outras, precisam ser desenvolvidas. Não estamos falando mais apenas de como adquirir novas habilidades de liderança, ou seja, “O QUE”, mas também do desafio de desenvolver novas formas de pensar e realizar, neste caso, “O COMO”.
Quando olhamos para os métodos de desenvolvimento de líderes nas organizações – on the job training, coaching, mentoring, treinamentos técnicos e comportamentais, formais e pontuais etc. – percebemos que eles mudaram muito pouco e que, apesar de continuarem importantes, não são suficientes para acelerar e para atender as necessidades desse novo contexto complexo de negócios.
Recentemente, o CCL (Center for Creative Leadership) fez uma pesquisa ao redor do mundo sobre o futuro no desenvolvimento de líderes nesse ambiente de complexidade e chegou a quatro grandes tendências:
1 – Mais foco no desenvolvimento vertical do que no desenvolvimento horizontal
Existem dois tipos diferentes de desenvolvimento, o horizontal e o vertical. Até o momento, o maior investimento em desenvolvimento de líderes tem sido no horizontal, ou seja, na aquisição de mais conhecimentos, habilidades e competências – é sobre O QUE você pensa – e muito pouco no desenvolvimento vertical, ou seja, na habilidade de pensar com maior profundidade e agir de forma mais complexa, sistêmica, estratégica e interdependente – é sobre COMO você pensa.
2 – Indivíduos se apropriando do seu próprio processo de desenvolvimento
As pessoas se desenvolvem mais rapidamente quando se sentem responsáveis pelo seu próprio progresso. O modelo atual encoraja as pessoas a acreditarem que outra pessoa é responsável pelo seu desenvolvimento – o RH, o gestor, os treinadores/professores. Precisamos ajudar as pessoas a saírem do lugar do passageiro para se sentarem no banco do motorista em seus processos de desenvolvimento.
3 – Maior foco na liderança coletiva do que na liderança individual
O desenvolvimento da liderança tem sido muito focado no indivíduo e elitista. Há uma transição acontecendo do velho paradigma onde a liderança reside em uma pessoa ou papel para um novo no qual a liderança é um processo coletivo que ocorre através da rede de pessoas. A pergunta irá mudar do “quem são os líderes” para “que condições são necessárias para que a liderança ocorra e consiga mobilizar e engajar todos os níveis da organização”. 
4 – Maior foco na inovação dos métodos de desenvolvimento de líderes
Não há modelos simples ou programas tradicionais que sejam suficientes para desenvolver os níveis de liderança coletiva necessários para um futuro cada vez mais complexo. Nesse sentido, uma era de rápida inovação será necessária na qual as organizações irão experimentar novas abordagens que combinem diversas ideias e novas formas de compartilhamento. A tecnologia e a web terão um papel protagonista para prover a infraestrutura necessária e conduzir a mudança.  E, com certeza, as organizações que estiverem dispostas a rever seus modelos e adotar essas abordagens conquistarão uma boa vantagem, ao saírem na frente.
Katia Nekandaris é sócia da Leaders Lab, executive master coach pelo ICC (Canadá), consultora em desenvolvimento organizacional e de lideranças, professora do MBA-FIA e palestrante do CONARH 2017.

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