Autor: Cleiton Jorge
A necessidade de avançar com a digitalização de municípios ainda enfrenta muitos desafios e uma grande dose de desânimo por parte dos agentes públicos. Não há quase margem para investimentos, a estrutura atual é insuficiente, faltam pessoas, falta cultura de TI, não há massa crítica para o desenvolvimento de projetos sofisticados.
Enquanto em São Paulo ou Porto Alegre os técnicos discutem sobre “smart cities”, nas pequenas e médias cidades campeia muitas vezes o ceticismo em relação a novas tecnologias. Mas a verdade, felizmente, é que nunca se encontrou no Brasil um ambiente tão favorável a implementações de serviços digitais para municípios de todos os portes.
A primeira evidência disto está na disseminação já bastante abrangente do acesso à banda larga pelo cidadão, um recurso hoje ao alcance de mais de 50% das pessoas, segundo dados do IBGE, numa proporção que chega a superar os 80% dos lares em municípios com perfil de metrópole (com 70 mil habitantes ou mais).
E isto sem mencionar os mais de 230 milhões de smartphones – praticamente 1 por habitante – segundo estimativas da FGV – e outros 166 milhões de desktops, notebooks e tablets em mãos do usuário brasileiro.
É este gigantesco e democrático parque de dispositivos de acesso, armazenamento, interação e processamento que, mesmo se constituindo em propriedade privada do cidadão, pode – e necessita – ser convertido em estrutura de serviços, sem que as prefeituras tenham de se endividar para dar o passo necessário no rumo da terceira plataforma.
Façamos, a este propósito, um paralelo entre uma prefeitura urbana e uma pequena rede de fast-food que, até pouco tempo atrás, atuava exclusivamente com as vendas offline nas lojas físicas e recebia pedidos via telefone, anotando-os num bloco de papel e repassando-os à cozinha. O exemplo, é claro, não pretende ser exaustivo, já que o leque de serviços de uma administração municipal é incomparavelmente maior e mais complexo.
Mas serve para pontuar que, com recursos técnicos extremamente modestos (tal como é a realidade de muitas prefeituras), o pequeno comércio de alimentos descobriu maneiras viáveis e muito rápidas de partir para a transformação digital sem precisar construir uma grande retaguarda de informática. E mais, sem precisar esperar a implantação de grandes estruturas analíticas, ou mesmo a formação de quadros internos especializados na operacionalização de novos aparatos de TI.
Bastou que um provedor externo (ou vários) passasse a ofertar um aplicativo de entrega – fácil de usar e fácil de assimilar ao negócio – para que este pequeno comércio pudesse, num lance surpreendentemente rápido, aderir a um modelo de e-commerce altamente sintonizado com os anseios do cliente.
E com apenas um pouco mais de esforço (uma consultoria mínima ou a disponibilidade de um funcionário mais habilidoso em relação às plataformas móveis), este mesmo comerciante já pode dar início à prática de um modelo omni-channel, levando para as mãos dos atendentes uma aplicação de smartphone ou tablet de baixo custo, na qual a aplicação de cardápio está conectada a um mini ERP baixado gratuitamente da WEB, o qual é capaz, por sua vez, de organizar os ambientes físico e virtual do negócio como uma operação única e coesa.
IMPORTANDO O PADRÃO DO VAREJO PARA OS MUNICÍPIOS
Mas como importar este padrão de salto digitalizador para a esfera do setor público? E por que uma pequena prefeitura aparenta ter mais dificuldade para sua transformação digital do que uma pequena rede de hambúrgueres?
Se na pequena empresa o processo decisório é rápido, no setor público o obstáculo é maior em função de três fatores conjugados: 1: o excesso de formalismo, que impõe uma visão etapista e extremamente controlada de qualquer inovação nos processos; 2: o componente burocrático, intrínseco a todos os modelos de gestão nessa mesma esfera e, 3: a baixa resiliência dos gestores (em geral, trocados em períodos quase sempre inferiores a cinco anos), aspecto este que vem associado a uma visão de curto, e nunca de longo prazo.
Entender estes três fatores e ter a ousadia de derrubá-los, mas sem excessivos riscos de ruptura com a formalidade mínima e responsável e com a real funcionalidade dos processos de gestão e prestação de serviços. É este o primeiro requisito a ser considerado pelo gestor público quando decidir partir para processos digitais.
Em segundo lugar, é preciso escolher processos em que o modelo digital seja viável já a partir das estruturas de TI atuais, bastando para tanto a otimização de seu emprego.
Nestes movimentos de definição, olhar o que já é feito em outras cidades já ajudará o gestor em um direcionamento seguro.
Se, por exemplo, o município em questão já explora – ou tem potencial para explorar – o estacionamento pago de veículos em locais públicos, basta observar o que já acontece em São Paulo e em diversas cidades pequenas e médias no mundo, onde um aplicativo de cobrança pelo registro de placa automatiza tanto os processos de captação quanto de gestão dessa taxa.
Se o município deseja ofertar ao cidadão informações em geral, por exemplo, sobre seus equipamentos de saúde ou lazer; bem como informações tributárias, locais e dados de interesse geral, como vagas em creches ou escolas, locais de vacinação e calendários de coleta de lixo, por que não estudar uma estrutura de chatbots especializados nesses diferentes aspectos da gestão?
Os chatbots, como sabemos, são estruturas de interação que mimetizam a conduta humana e que se habilitam a responder com grande objetividade a um universo relativamente amplo de questões sobre um determinado assunto.
Com poucos recursos de retaguarda e um mínimo de estrutura analítica (um item que já se tornou obrigatório em qualquer cidade com algumas dezenas de milhares de munícipes), uma aplicação de chatbot pode ampliar de forma admirável a qualidade de atendimento para grande parte das demandas, podemos citar desde certidões, passando pela zeladoria do município até mesmo a notificações ativas de campanhas vacinação.
Em combinação com o atendente convencional de callcenter, o chatbot tem a virtude já comprovada de promover a qualidade da experiência do usuário ao mesmo tempo em que maximiza a eficiência do atendimento por pessoas, e com um custo muito baixo, pois você só utiliza o atendimento humano quando o chatbot não consegue atender.
Além disso, para prefeituras que não têm ainda uma boa massa crítica de informações para eventuais processos analíticos, o trabalho contínuo do chatbot transforma-se numa importante fonte de dados sobre a conformação e as propensões do cidadão que utiliza os serviços.
O que cria um tesouro sensacional de dados para estratégias contínuas de engajamento e melhoria constante da jornada do usuário.
Prefeituras com poucos recursos para manter muitas posições de callcenter podem otimizar, e muito, seus custos de atendimento sem obrigar o munícipe a ir a um local físico para enfrentar filas inúteis e, em última instância, custosas.
E a boa notícia é que já existe no mercado alguns requisitos a propiciar o barateamento progressivo dos chatbots. Entre estes estão a popularização das plataformas analíticas, hoje disponíveis a custos altamente acessíveis. Existe ainda a viabilidade de uso de chatbots em associação a redes sociais como Facebook ou Twitter, o que pode ser uma boa saída para cidades que não possuem uma estrutura sólida de portal web para comportar interações de serviços.
Em complemento a tudo isto, existe em algumas fábricas de bots um impressionante leque de aplicações de chatbots já prontos para trabalhar para cidades de todos os portes a partir de investimentos elásticos, adaptados à escassez atual dos orçamentos.
Cleiton Jorge é diretor de operações da Metasix. Há 22 anos coordena equipes de desenvolvimento e é entusiasta em smart city e tecnologias disruptivas.