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Ouvidoria pública – A alavanca para a cidadania

O papel desempenhado, mundialmente, pelas ouvidorias públicas, no que diz respeito à conscientização do indivíduo para seus direitos como cidadão e consumidor, demonstra sua importância preponderante para o aprofundamento da cidadania.

Desde que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, elencou os diversos direitos individuais, entre os quais se encontra o da informação, que poderia ser reivindicado pelos indivíduos pela sua condição de ser humano, a sociedade, o Estado, os movimentos civis organizados têm procurado instrumentos para fazer valer esses direitos.

Nessa esteira vieram normas, conselhos, políticas públicas e tantas ações quantas se mostraram necessárias e/ou eficientes para a consecução daquele objetivo.

Não por acaso, a instituição da ouvidoria, que teve sua gêneses no instituto do ombudsman sueco, há duzentos anos, justamente na segunda metade do século passado, teve, por assim dizer, seu renascimento, inicialmente nos Estados com larga tradição democrática, no norte da América e Europa e, nos últimos anos, também nos recém-democratizados países da América Latina.

A vocação intrínseca de ferramenta de participação popular e transparência administrativa da ouvidoria pública fez com que, nos diversos países, os formuladores de ações tendentes a tais fins, a identificassem como uma valorosa opção, do que resultou sua criação em diversas organizações e, posteriormente, diante de sua eficácia, pode-se dizer, sem medo de exagero, o seu alastramento.

Atualmente, ouvidoria é o tema do dia, quando se discutem formas de acesso ao Estado pela população.

O Relatório Anual de 2002 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, pregava o pleno exercício da cidadania como forma de alcance do aprofundamento da democracia, esta como elemento essencial para melhora das condições de vida de grande parte da população global retratadas pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O órgão internacional afirmou, na ocasião, que promover a participação dos cidadãos na gestão pública e exigir do Estado a transparência administrativa seria uma forma de elevar aquelas condições e, conseqüentemente, os IDH.

A sensibilidade do PNUD no tema foi extraordinária: com efeito, enquanto a participação popular permite que o cidadão possa reivindicar o atendimento aos seus direitos, de resto declarados há mais de meio século, a transparência administrativa exige do Estado a abertura de seus negócios, suas prioridades e suas contas a esse cidadão, de forma a demonstrar se seus interesses estão sendo considerados.

Recentemente, a maior iniciativa internacional para o combate da corrupção – uma chaga pública, que, no dizer de muitas autoridades, drena os recursos que deveriam ser destinados à população, e, assim, flagela justamente o segmento que mais necessita do Estado – o Fórum Global de Combate à Corrupção, que, em sua quarta edição, foi realizado no Brasil, depois de passar pelos EUA, Holanda e Coréia do Sul, igualmente foi sensível à importância da ouvidoria pública, para participação popular, também neste particular.

Com efeito, a abertura de um painel à ouvidoria pública, cujos debatedores são expressivas figuras da atividade – Frédérique Calandra, Jorge Santistevan de Noriega e Jorge Mario Garcia Laguardia, ouvidores, respectivamente, da prefeitura de Paris, do Peru e da Guatemala – é um marco extraordinário na história da ouvidoria. A mesa, presidida pela Ouvidora Geral da União, Eliana Pinto, e na qual tive a honra de ser a mediadora e relatora, apresentou tantos pontos convergentes entre as autoridades do assunto que estou convencida de que já não haja dúvida quanto à natureza da ouvidoria pública como representante do cidadão junto ao Estado e, justamente, daquele cidadão mais desassistido, que não está associado a qualquer organização popular e que pretende, por sua voz individual, participar efetivamente da administração pública.

No referido debate tive a oportunidade de lembrar teoria comunicacional do filósofo contemporâneo Juergen Habermas, que prega a necessidade de se criar tantos meios quantos forem possíveis para favorecer a comunicação do cidadão com o Estado e a participação cidadã nas democracias, certo de que a democracia formal, com representação popular pelo Parlamento, tem se mostrado insuficientemente eficaz para garantir a integral participação do cidadão no Estado.

Daí que, no combate à corrupção, um canal de comunicação direto entre o cidadão e o Estado, como o é a ouvidoria pública, se mostra perfeitamente adequado, já que oferece até ao mais modesto cidadão a possibilidade de levar uma denúncia ao Poder.

Igualmente, ficou claro que a ouvidoria pública, justamente por sua proposta de ser a voz do cidadão no Estado, Estado que é, exatamente, a organização política dos indivíduos e no qual, portanto, cada indivíduo é o Estado, possui especificidade própria.

De todo o debate e de tudo de importante que foi dito ali, pinço uma das afirmações da doutora Calandra, que sustentou a natureza de “missão” das ouvidorias públicas.

É especialmente tocante a percepção da ouvidora, porque a condição primordial da ouvidoria pública, de ser a voz do cidadão, tem a nítida natureza de “missão”. Longe de ser uma atividade profissional ou uma atribuição administrativa, o exercício da ouvidoria pública deve ser entendido como uma missão que se cumpre em favor do representado e, como última razão, em favor do bem comum.

Tão lúcida e esclarecedora lição teve o poder de fazer amadurecer uma idéia que vinha sendo cultivada entre alguns ouvidores públicos, qual seja, de fundar uma associação que se dedique a tais especificidades das ouvidorias públicas, que as reconheça e trate, como ensinou a ouvidora de Paris, como uma missão. Necessariamente transitória, mas valorosa para o alcance da plena cidadania.

Assim, fundou-se, naquele mesmo dia, a Associação Nacional de Ouvidores Públicos – ANOP. Entre seus objetivos, constam propostas para a formação de um sistema de ouvidorias públicas autônomas, democráticas e independentes; integração e cooperação entre os ouvidores públicos; promoção dos valores democráticos e, especialmente, da participação cidadã da gestão pública; formação de uma cultura de ouvidoria voltada para a defesa dos direitos humanos, da justiça social e da cidadania; e fortalecimento da ouvidoria pública.

Assim, organizam-se os ouvidores públicos brasileiros, cientes da importância de sua missão como alavanca para o pleno exercício da cidadania.

A experiência internacional

No IV Fórum Global de Combate à Corrupção, realizado em Brasília, o painel Ombudsman and Related Institutions contou com a experiência de ouvidores internacionais relatando suas experiências. O Painel, moderado por Isabel de Fátima Ferreira Gomes, teve Jorge Santistevan de Noriega, primeiro Ouvidor do Peru, denominado “Defensor del Pueblo”, de 1996 a 2001; Jorge Mario Garcia Laguardia, Ouvidor da Guatemala; e Frédérique Calandra, Ouvidora da cidade de Paris e adjunta do prefeito. Isabel destacou alguns pontos considerados importantes para o modelo que começa a ser implementado no Brasil. No caso de Noriega, são os seguintes:
– diferenças entre os ouvidores da Europa (procurador do cidadão) e da América Latina (atribuições mais amplas)
– atuação do ouvidor no combate à corrupção e à violação dos direitos humanos, com ações preventivas, criação de leis de acesso à informação e fortalecimento dos órgãos
– autonomia e independência para criticar, persuadir e propor soluções
– ouvidoria como ponte entre a sociedade civil e os dirigentes para a participação cidadã
– corrupção drena os recursos do Estado destinados à população
– apoio aos procuradores, tribunais e ministérios públicos, com trabalho de investigação

No case de Laguardia, Isabel fez as seguintes considerações:
– imagem pacifista do ouvidor na América Latina, ouvidoria não prevista nas constituições
– ombudsman como agente da sociedade que complementa o papel de outros organismos utilizando habilidades como persuasão e influência, entre outras, na luta em defesa da justiça e da democracia
– apoio das ONGs, da Imprensa e das comissões e grupos de defesa dos direitos humanos
– corrupção decorre da realidade dos países pobres, falta ou desrespeito às leis, governantes devem produzir valores éticos coletivos e não individuais

E, no caso de Calandra, suas observações foram as seguintes:
– ouvidora desde 1997 (com mandato de 6 anos) em uma cidade com 2 milhões de habitantes, mas com uma grande e complexa administração pública que conta com 60 mil servidores, mais os terceirizados e com um orçamento de 5 a 6 bilhões de euros/ano. anos.
– esforços para levar a informação ao usuário da cidade, o cidadão, o empresário, o estrangeiro e o turista para acesso à justiça e ao direito.
– importância dos relatórios para o trabalho do ombudsman, divulgando as informações para toda a coletividade
– vinculação e apoio do prefeito de Paris
– atividade de ombudsman não como gestão, mas sim como missão
– a ouvidoria deve reconhecer a razão da administração quando esta agir corretamente
– recomenda ao poder público a adoção de sugestões e propostas de mudanças
– atuação da Comissão Nacional de Direitos Humanos com atribuições distintas da Ouvidoria, embora com objetivos comuns
– o ombudsman deve atuar em prol da melhoria do serviço público e do combate à corrupção.

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