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Branding transformador



Autor: Valpírio Monteiro

 

Ao falarmos de cultura, nos ocorrem conceitos que envolvem permanência, processos de manufaturas, costumes e idéias consolidados. O que muitas vezes esquecemos é que ela é mutante, resultado de uma evolução, de mudanças para adaptar-se a situações novas, não apenas necessárias e desejáveis, mas também inevitáveis.

 

Mas não pode existir transformação cultural sem oposição de alguma forma à ordem estabelecida. É a novidade, o desafio, a quebra de paradigma que faz a sociedade mudar. Como Picasso permitindo-se desenhar como criança depois de dominar excepcionalmente a técnica, a palavra dada aos muros em 68 ou a capacidade de se armazenar imagens em um aparelho. Essas inovações distenderam os limites da nossa compreensão do mundo, forçando novas formas de abordagem e novos paradigmas.

 

Duas fontes para o “desconforto estimulante” são a arte e o design, os quais possuem diversos pontos em comum, mas diferem basicamente por terem objetivos e processos diferentes.

 

Arte, design, cultura

Assim como a arte, o design pode interferir na cultura refletindo-a e, portanto, estabelecendo e aperfeiçoando padrões, ou confrontando-a, destruindo, recriando e alterando definições. No primeiro caso, ajuda a definir o que é considerado “de bom gosto”, aceitável e desejável esteticamente. No segundo, questiona as acepções de “bom”, “ruim”, “adequado”, privilegiando a personalidade e a relevância. Qual caminho escolher depende da quantidade de significados que achamos que nosso público está pronto para aceitar e do quanto queremos agradar ou não o seu padrão estético preestabelecido. Tomando como exemplo o design editorial, algumas vezes, nos serve deixar que respiros e fontes de leitura agradável componham uma excelente obra; em outras, é melhor fazer o leitor levar mais tempo procurando por uma citação escondida em um layout sujo, se isso o ajudar a entender melhor a obra como um todo.

 

Em qualquer banca de revistas essa afirmação se sustenta: designers de quadrinhos adultos aprenderam há muito tempo como esconder elementos para dar-lhes destaque. Assim como no conto de Poe “A Carta Roubada”, em que um documento é escondido bem à vista do policial que o procura, sair do óbvio e mudar o foco de atenção causa mais impacto do que fontes enormes e splashes. A valorização da sutileza é o poder do sussurro, que atrai sem agredir, enaltece sem exagerar.

 

Seguindo por um caminho que se cruza com esse, a exposição de Jeff Koons em Versalhes, contribui para a discussão por outro viés. Nela, o suporte e a forma muitas vezes são o conteúdo. Ao trazer elementos kitsch para um ambiente que mostra arte canônica (no sentido de avalizada como cânone), realiza uma intervenção do novo no estabelecido, oferecendo assim uma desconstrução e uma ressignificação do conteúdo simbólico do lugar e do objeto.

 

São duas maneiras de deslocamento de sentido e de criação de novos significados pela maneira como a obra é apresentada, trazendo de volta a antiga discussão entre forma e conteúdo. Uma discussão de que um dos principais elementos do design também participa. A tipografia, por vezes, se questiona: quais são os símbolos que podem ser convencionados como letras?

 

Mas o que separa arte de design? O que diferencia essas manifestações? Qual é o papel de cada uma delas? Apesar de ambos usarem muitas técnicas similares, há dois pontos em que eles divergem: objetivos e processo.

 

Em primeiro lugar, design é utilitário. Ele cumpre uma função, com objetivos claros e atrelados às estratégias de marca, a comunicação. A arte, por sua vez, é um fim em si mesma, não tem obrigações, exceto a busca da expressão da sua subjetividade, tampouco limites, exceto os do próprio artista.

 

Nesse sentido, os dois se aproximam quando o design levanta para o observador as dúvidas essenciais da arte: o que estou vendo? onde estou? quem sou? Mas o papel da arte é fazer perguntas que talvez não tenham resposta. O do design é oferecer respostas que talvez levem a novas perguntas.

 

Além disso, há questões de processo. Um artista plástico normalmente inicia um trabalho para atingir um fim. Mas tudo o que ele quiser usar entre esses dois pontos depende apenas de sua escolha, de opções estéticas e estilísticas. O designer, por sua vez, tem um número limitado de recursos, já que muitas vezes sua criação envolve textos, fotografias e parâmetros de produção definidos, além de influência de outras pessoas envolvidas no trabalho, como clientes, colegas, superiores etc.

 

Branding transforma

O design por muito tempo foi considerado como projeto – expressão finalizada de um trabalho, um reflexo do contexto cultural em que está inserido. Uma vez que o conceito de branding começou a ganhar força, essa noção começou a evoluir. O design deixou de ser projeto para virar processo, algo continuamente em construção e passível de interagir com o contexto, sofrendo e exercendo influências.

 

No momento em que o branding surge como teoria e se consolida como prática, o design começou a se afastar ainda mais da arte por ter outra particularidade: ele é uma das ferramentas da experiência de marca. É um dos pontos de contato entre ela e o consumidor, seduzindo-o e conquistando nele um aliado.

 

Marcas são pontos importantes na construção da identidade do sujeito contemporâneo. Estão presentes na nossa vida em todos os momentos, e nossa relação com elas não se limita apenas a utilizarmos os produtos. E nessa relação o papel essencial do design é voltar à sutileza: ele se infiltra no nosso cotidiano, permeia o dia-a-dia, pouco a pouco mudando nossa percepção do mundo.

 

Valpírio Monteiro é diretor executivo do Gad’Agency.

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