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O consumidor invisível



Autora: Stella Kochen Susskind

 

“As novidades agradam menos do que impressionam.” Sou obrigada a concordar com a frase de Lord Byron, pois cheguei à conclusão de que as novidades, ou avanços sociais, ganham notoriedade apenas quando têm a capacidade de impressionar. No entanto, muitas “novidades” estão no silencioso cotidiano; na evolução convencional da sociedade – o que não restringe o potencial transformador. Como coordeno um exército de clientes secretos no Brasil e exterior – que atuam na Shopper Experience -, recebo inúmeros e-mails de pessoas que querem exercer a atividade; pessoas que acreditam na possibilidade de contribuir com a evolução do atendimento ao consumidor brasileiro. Ao mesmo tempo, buscam uma ocupação remunerada. Mas, fui surpreendida com um e-mail de uma garota de seis anos, candidatando-se a uma vaga de “cliente secreta”. Cliente aos seis anos? Está aí um acontecimento que não tem nada de banal e que merece reflexão! Já virei fã desta menina que aos seis anos se mostra antenada, interessada e responsável.

 

Essa novidade me impressionou, pois conclui que há um movimento silencioso desses pequenos consumidores “invisíveis”. É fato que a oferta de produtos para as crianças é enorme e que o consumismo infantil tem preocupado pais e educadores de todo o mundo, sobretudo por conta dos abusos cometidos deliberadamente na comunicação mercadológica. Mas, o que despertou minha atenção foi perceber que pode estar surgindo um movimento de insurreição das crianças contra o atendimento recebido; “crianças alfa” que passam a ter a noção de que são consumidores e querem ser vistas como tal.

 

Em outra ocasião, presenciei o caso de uma mãe que pediu à filha que entrasse na padaria para comprar algum item, enquanto ela permanecia à porta com os cachorros. A operação que parecia simples se tornou um transtorno. Além de ter dificuldades para ser atendida – a menina se tornou um ser invisível para clientes e funcionários da padaria – não conseguia pagar pelo item que retirou, sozinha, de uma prateleira. O pior foi presenciar a atitude de desrespeito por parte de uma idosa. A senhora – que também deveria estar mais atenta, pois tem direitos e prioridades garantidos por lei -, quase “atropelou” a criança na tentativa de furar a fila. O dano causado à autoestima dessa criança pela desastrosa experiência de consumo poderia ser evitado com a simples “inteligência emocional”.

 

Sem falar no “goela abaixo” ao qual as crianças estão sendo submetidas. Em outra cena, presenciei mãe e filha em uma loja de roupas destinada a todos os públicos. A filha só queria uma bermuda; a mãe se afastou um minuto para verificar um preço e ao olhar de longe viu a menina vestida com uma “produção de moda” feita pelas vendedoras. O olhar da menina não era de alegria, sim de espanto e constrangimento. A produção não tinha nada a ver com seu estilo, além disso, a menina só queria uma bermuda. Ainda pude ouvi-la comentando com a mãe: “não consegui falar não”.

 

Na prática, os treinamentos induzem os vendedores a caprichar na venda sugestiva e na adicional. Mas, está na hora de revermos esse conceito! Concordo que esse tipo de venda é fundamental, mas deve ser bem dosado. As empresas esquecem conceitos básicos:
1) a criança é formadora de opinião e influencia pais e colegas;
2) a criança também é responsável pela propensão a retornar ao estabelecimento;
3) a criança tem participação fundamental no “share of wallet”.

 

Mais ainda: vocês lembram de uma antiga lenda que afirmava ser do homem a decisão de compra de um carro para a família? Ah, isso mudou. Os homens escutam as mulheres e também “os filhos”! Um conhecido meu comprou um carro com o sétimo banco, porque a filha pediu.

 

Como atender aos pequenos consumidores com ética? Como proporcionar a essas crianças uma experiência de compra positiva, algo próximo ao consumo responsável? Não defendo que devemos incentivar o consumismo infantil, mas é nossa responsabilidade garantir que essas crianças iniciem o exercício da cidadania, que se reconheçam como consumidores dotados de direitos e deveres. Somos responsáveis pela construção de uma sociedade sadia, na qual consumo e consumismo são práticas distintas.

 

Ao propor modelos de atendimento adequados a crianças, creio que bons exemplos sejam praticados por lojas de brinquedos educativos e livrarias como a Livraria da Vila e Cultura. Nesses estabelecimentos há espaço para dar atenção aos pais e às crianças; há respeito aos pequenos consumidores que se tornam seres visíveis e dignos de ter uma boa experiência de compra.

 

Stella Kochen Susskind é  presidente da Shopper Experience.

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