Autor: Marcos Morita
“Nossa cultura é composta de reprises, renascimentos, reedições, relançamentos, recriações, adaptações, aniversários, recordações e coleções de discos de nostalgia”. A frase, escrita pelo comediante norte americano George Carlin em seu best-seller Brain Droppings, explica em grande parte a recente febre pelo relançamento de marcas e produtos antigos. Empresas dos mais diversos ramos têm aderido à nova onda saudosista: brinquedos, eletrodomésticos, refrigerantes, biscoitos, chocolates, eletroeletrônicos e cosméticos. Genius, Aquaplay, Meu Primeiro Gradiente, Itubaína, Mirabel e Lollo são apenas alguns exemplos gostosos das brincadeiras e guloseimas do passado.
Diversos acadêmicos têm discutido o tema nos últimos anos, criando um interessante arcabouço teórico sobre o fenômeno. Em comum o sentimento de nostalgia, uma época em que o mundo parecia mais seguro, compreensível e menos comercial, onde os produtos eram mais artesanais e duradouros. Basta lembrar-se da geladeira e do fogão da casa da vovó. Por curiosidade fui buscar a definição de nostalgia, já que há tempos não a utilizava: termo que descreve uma sensação de saudade idealizada, e às vezes irreal, por momentos vividos no passado associada com um desejo sentimental de regresso, impulsionado por lembranças de momentos felizes e antigas relações sociais.
Esta breve descrição ilustra o conceito de nostalgia social proposta por Fred Davis em seu livro, Yearning for Yesterday: a Sociology of Nostalgia ou Ansiando por Ontem: a Sociologia da Nostalgia, em livre tradução. Conforme o autor, as marcas antigas vinculam consumidores ao seu próprio passado, assim como estimulam a dividí-la com outras pessoas que tenham as mesmas lembranças, criando comunidades nas quais imperam o sentimento de cuidar e compartilhar. Os clubes de colecionadores de automóveis antigos e os proprietários de motocicletas Harley Davidson em seus animados encontros, também chamados como H.O.G: Harley Owner’s Group, são alguns exemplos.
Com o advento da internet este trabalho ficou mais transparente aos gerentes de marketing, os quais podem acompanhar discussões e lançar produtos com base nas comunidades. O chocolate Lollo, ícone dos anos 80, foi relançado há alguns anos com a mesma receita e identidade visual, após insistentes pedidos e comentários sobre a marca nas redes sociais. Hoje eu e minha filha de nove anos disputamos os chocolates da Vaquinha assim que a caixa de bombons é aberta. A Nestlé não divulga números, mas o faturamento do projeto foi quatro vezes superior à expectativa original, demonstrando o retorno financeiro de tais revivals.
Tarefa um pouco mais complexa têm as empresas que precisam atualizar tecnologicamente seus produtos, combinando formas antigas com funcionalidades atuais. Um exemplo foi o modelo PT Cruiser da Chrysler, cujo design recriava os modelos da década de 40, porém com tecnologia embarcada moderna. Aqui em terras tupiniquins a Brastemp incluiu em seu portfólio frigobares, geladeiras e fogões que parecem ter saído de um álbum de fotografias dos anos 50. Apesar dos preços salgados, a linha é um dos grandes sucessos recentes da marca. Imagine o prazer em convidar seus amigos para jantar e tirar uma cerveja de sua geladeira retrô amarela.
Adicionalmente ao aumento no faturamento, reavivar marcas antigas pode ajudar a criar uma importante barreira de entrada, considerando o cenário atual de alta competição, globalização e comoditização de tecnologias, no qual as empresas precisam de lançamentos cada vez mais frequentes, reduzindo o ciclo de vida e muitas vezes canibalizando seus próprios produtos, antes que a concorrência e os imitadores de plantão o façam, derrubando os preços e corroendo as margens de lucratividade.
Desta maneira, é esperado um aumento do retromarketing, denominação pela qual este processo é também conhecido. Sabores, gostos, paladres, cheiros, aromas, fragrâncias, odores, brincadeiras, simulações e experiências positivas de um passado que já não volta mais poderão novamente fazer parte de nossa rotina, seja curtindo sozinho, compartilhando com amigos ou apenas mostrando aos mais jovens como era gostoso viver no passado.
Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, colunista, palestrante e consultor de negócios.