Autor: Leonardo Barci
Recentemente, assisti as séries do célebre personagem Sherlock Holmes. Tive a oportunidade de ver a versão americana Elementary produzida pela CBS, além da produção Sherlock da BBC. Foi interessante ver como uma mesma história contada a partir de duas culturas separadas por um oceano de distância, pode ter impressões tão parecidas e ao mesmo tempo tão distintas. Não me considero um fã do gênero policial, mas é indiscutível o fascínio que os personagens criados por Arthur Conan Doyle imprimiram, não apenas nos britânicos, mas no mundo inteiro. Interessante ainda descobrir que nem tudo aquilo que se fala sobre uma história, por mais difundido que seja, é exatamente verdade. Fiquei no mínimo desconcertado ao descobrir que Holmes nunca pronunciou a célebre frase: “Elementar, meu caro Watson”.
Se você não assistiu, mas tem intenção de ver alguma das séries, sugiro que pare a leitura por aqui, pois talvez eu acabe dando algum spoiler, mesmo sem intenção. Holmes nasceu (como personagem) em uma época onde muitas das práticas forenses ainda nem existiam. Da mesma forma que Star Trek influenciou gerações de cosmólogos, cientistas e até mesmo futuros astronautas, as histórias de Holmes inspiraram e inspiram até hoje o detetive que existe em cada um de nós. Ao término das duas séries, o que mais me chama atenção é o quão próximo do ´bandido´ que habita Moriarty, Holmes eventualmente se encontra. Na versão americana, eles chegam até mesmo a serem amantes!
Isso tudo me fez refletir sobre as muitas histórias fascinantes de investigação na vida de Holmes, mas as que realmente nos levam além da compreensão do bem e do mal são aquelas em que, alguém à altura de um dos maiores detetives investigativos que já existiu, resolve enfrentá-lo diretamente. Assim, me pergunto se Holmes existiria sem Moriarty. E concluo que o bem e o mal são mais próximos do que consigo compreender.
O desafio de se tornar alguém que precisa de um arqui-inimigo para existir, como é o caso de Holmes, é que seu impacto não se restringe a sua própria vida. Ele acaba, inevitavelmente, chegando a pessoas próximas, incluindo, neste caso, o tão amado Watson.
Uma coisa é um filme ou uma história que nos diverte e nos entretém. Se o mundo não anda bem, talvez seja uma boa oportunidade para refletir que tipo de realidade estamos construindo em nosso planeta. O desafio é quando a vida imita a arte de uma maneira desagradável. Levando esta referência para o mundo corporativo, talvez estejamos indo na direção contrária quando elencamos o sucesso e o ganho financeiro como métrica última de resultado. Seguindo esta lógica, para que a empresa tenha sucesso, alguém precisará ocupar o seu oposto.
Gosto de uma frase atribuída ao Dalai Lama que diz algo como: “O planeta não precisa de mais pessoas bem-sucedidas. O planeta precisa desesperadamente de mais pacificadores, curadores, restauradores, contadores de histórias e amantes de todos os tipos.” Minha tradução para esta frase é de que o mundo precisa de mais pessoas (e empresas) que sirvam e não que sejam servidas.
Na versão da BBC, Holmes é praticamente um viciado em drogas quando se fala em casos policiais. Os assassinatos e os mistérios são sua heroína. Na versão americana, ele de fato é um ex-viciado. Quando precisamos de algo externo para nos acionar, assim como no caso de Holmes, vivemos em constante estado de perturbação e ansiedade.
Parece algo até banal, mas quando a empresa compreende o seu propósito, o motivo pelo qual ela faz a diferença no mundo, a ansiedade baixa, as dúvidas cessam, os clientes chegam e o dinheiro para a manutenção e para o crescimento viram algo certo.
Há algumas semanas, um cliente nos apresentou um projeto bastante desafiador. Algo que, se implementado adequadamente, fará a diferença tanto para seus clientes como para o mercado de forma geral. O que me chamou a atenção é a contradição que ainda existe nas empresas. Depois de passar quase 8 horas dentro de uma sala, compreendendo a necessidade, discutindo soluções e pontuando do que se tratava, ao final uma frase foi apresentada: “Nosso objetivo é nos tornarmos verdadeiramente Customer Centric.” Mesmo depois de conseguir alinhar o destino, o sponsor do projeto entrou na sala e disse que o objetivo final era descobrir como vender mais.
A ideia de Customer Centric e vendas só se harmonizam quando a primeira é prioridade. Existe um natural conflito entre sucesso e servir. Servir significa, obrigatoriamente, abrir mão de algo em algum momento. Quando se serve se dispõe do próprio tempo, não se controla mais o resultado.
A frase que costumo ouvir quando se começa a tocar no assunto de que uma empresa deve servir é “não somos uma ONG”. Às vezes me pergunto de onde surgiu a ideia de que uma ONG deve gerar prejuízo ou pelo menos não deveria gerar lucro. Servir deveria ser o princípio básico de toda empresa. Parece que servir e gerar lucro são coisas conflitantes. Na minha visão elas deveriam se harmonizar.
Quanto mais quisermos ser (como empresas) Holmes ou Moriarty, mais iremos viver no limite entre o bem e o mal, entre o sucesso e o insucesso. Embora excepcional, Holmes era um egocêntrico. Moriarty, um psicopata. Ambos, porém, sociopatas. Reflexos de uma sociedade doente. Para fechar, deixo um exemplo do que significa servir na minha compreensão.
Recentemente, estive com meus sócios em uma viagem. Em nosso tempo livre, meu sócio nos sugeriu comermos algo em um shopping próximo, pois ele precisava comprar alguns itens de esporte para a família. Era um final de tarde e o local estava com pouco movimento. Dentro de uma loja especializada em esportes comentei como a loja estava cheia de gente, mesmo o shopping estando com baixo movimento. Fiquei com isso na cabeça e ainda dentro do shopping vi uma comunicação da loja com os dizeres: “…somos apaixonados por esporte. Aqui você encontra produtos para mais de 60 tipos de esportes…”
Até aqui, nada mais objetivo do que falar algo intrínseco ao negócio. Uma comunicação simples e direta. Navegando no site da marca vi que eles mantêm um rico blog sobre todo tipo de atividade esportiva com dicas, sugestões, eventos etc. Uma coisa é se fazer valer da boa e velha educação temática sobre seus produtos e serviços. Outra bastante distinta é fazer isso de forma aberta, gratuita e com qualidade, pelo simples fato de que a marca gosta de esportes.
Você pode até dizer que estou sendo ingênuo e ignorar que a marca faz isso para vender mais. Sim, eu terei de concordar que isso é uma boa possibilidade. O que provavelmente em algum momento ficará evidente é que marcas que seguem o bom e velho walk the talk serão aquelas que, em primeiro lugar, servem a partir de seu propósito. Daquilo que gostam de fazer. Para estas o sucesso será inevitável, pelo simples fato de que o seu sucesso significará, obrigatoriamente, a felicidade e a realização de seus clientes.
Leonardo Barci é CEO da youDb, autor do livro “Além do Lucro – Tocando o invisível no Relacionamento Empresa-Cliente” e coautor do livro “Mind The Gap – Porque o Relacionamento com Clientes vem antes do Marketing”.