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Um jogo de xadrez deveras complicado



Autor: Fabio Rocha

 

Navegando na Internet, fiquei sabendo pelo Wikipédia que na sociedade da Roma Antiga cliente (do latim cliens) era um plebeu associado a um patrono benfeitor (patronus, um predecessor de padrinho, patrão). Atualmente, o cliente tem outro papel. É uma pessoa (física ou jurídica) com acesso a várias opções de produtos ou serviços que participa de todo o processo de produção, desde a concepção até o consumo, e cuja aceitação do produto ou serviço garante a sobrevivência de quem os fornece. No mesmo site, digitei então “arquiteto” e saiu algo assim: a palavra vem do grego arkhitektôn, que significa “o construtor principal”. A partir daí, fiquei divagando sobre a complexa relação cliente-arquiteto e considerei que o tema merecia uma reflexão.

 

Fiz uma analogia com o jogo de xadrez. As peças estão no tabuleiro. O profissional (no caso, o arquiteto) foi contratado, e a concepção do projeto (do arquiteto ou do cliente?) terá início. E depois acontecerá a execução da obra (muitas vezes, obra da vida do cliente). E as regras? Bem, as regras nem sempre estão tão bem definidas quanto no xadrez.

 

Em meus anos de trabalho deparei com muitos comportamentos diferentes nesse assunto. Acredito que o cliente deva participar expondo fielmente as necessidades – expressas muitas vezes de forma subjacente, quando ele relata sua cultura, seu modo de vida, sonhos e planos; enquanto o arquiteto, o profissional qualificado e experiente, trabalhará arduamente para atender, surpreender e superar tais expectativas, por meio da correta compreensão do que o cliente pretende de fato. Se agir francamente, com diálogo aberto e próximo, muitos dos possíveis problemas poderão ser resolvidos antes mesmo de ocorrerem.

 

Empatia é uma das melhores táticas. Rei e rainha, lado a lado, respeitando a função e participação um do outro. Como líder estrategista, o arquiteto deverá fazer com que o jogo aconteça, por meio de movimentos precisamente calculados. E o cliente, participando das decisões e sendo atendido em seus pedidos, inevitavelmente sairá satisfeito. A liberdade de criação e uma linha de trabalho contínua (de um lado) e o compromisso (de outro) são fundamentais para o sucesso do trabalho desenvolvido.

 

Em minha opinião, o arquiteto tipo torre, que só vê o que está a sua frente, atrás de si ou nas suas laterais, desconsiderando a visão macro do cliente, suas reivindicações e seus sentimentos, perde muito. Perde detalhes. Perde inspiração. Pode perder o cliente. Tal profissional se esquece de que será ele (o cliente) o futuro usuário do espaço. Afinal, os ideais de quem estão ali? Este tipo assemelha-se muito ao arquiteto-bispo, que no xadrez, ao executar seus movimentos, não podendo “pular” sobre nenhuma peça em seu caminho, “tira da jogada” tais impedimentos, desconsiderando os desejos alheios… Este tipo está fora de moda, está “out” como dizem os adolescentes.

 

Também não posso concordar com o arquiteto-peão, aquele que só dá um passinho de cada vez, sempre temendo o olhar atento (e muitas vezes até amedrontado) de seu cliente. É preciso haver confiança mútua para o desenvolvimento e plena conclusão do projeto e execução da obra! Por analogia, cito aqui também os movimentos do cavalo, que emperra diante de situações não previstas. É preciso muito domínio desse jogo, para, com criatividade, superar todos os obstáculos!

 

No jogo-obra as adversidades devem se restringir aos prazos de entrega contra o cronograma apertado, as altas da inflação versus orçamento já aprovado, a falta de materiais no mercado, o eventual mau tempo, a doença do colaborador. No tabuleiro da obra, o arquiteto protege o cliente dos ataques externos, coloca-se ao seu lado, com toda a sua equipe, trabalhando arduamente por um mesmo ideal: a proteção do cliente diante das intempéries e sua plena satisfação ao final.

 

No xadrez, um jogador pode desistir a qualquer momento, o que provoca sua ruína. Em obras não pode haver desistências, pois isso implicaria derrota para todos! Na relação cliente-arquiteto, a partida é ganha quando o profissional entrega as chaves e, nessa hora, recebe um afetuoso aperto de mão e um sorriso feliz!

 

Fabio Rocha é diplomado pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo e atua desde 1993 em arquitetura e interiores.

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