Privatização do mercado bancário?

Autores: Boanerges Freire e Vitor França
A presença de bancos públicos no mercado brasileiro pode ser justificada por pelo menos três fatores: existência de mercados incompletos, em que, por causa de riscos elevados, a oferta privada seria inferior à quantidade eficiente (agricultura, habitação, educação, infraestrutura e baixa renda, por exemplo); tendência de concentração bancária decorrente da presença de economias de escala e barreiras à entrada associadas a aspectos regulatórios e preferências dos consumidores; e necessidade de adoção de políticas de crédito anticíclicas em momentos de crise e aumento da aversão ao risco no setor privado.
Os bancos públicos comerciais, contudo, adotam uma posição dúbia no mercado brasileiro: se, por um lado, mantêm uma forte e tradicional atuação em mercados incompletos (agricultura, habitação), por outro, operam muitas vezes como bancos privados nas demais linhas de crédito, apesar de certas vantagens na captação de recursos.
Os quatro maiores bancos comerciais brasileiros – dois públicos e dois privados – concentram atualmente quase 80% do mercado de crédito do país, com impactos evidentes na concorrência, como atestam os spreads mais elevados do mundo.
Em setembro de 2008 a diferença entre a participação dos bancos privados (25,3%) e a dos bancos públicos (13%) no saldo das operações de crédito (medido como proporção do PIB) atingiu seu pico: 12,3 pontos percentuais (pp). Aquele mês, porém, representou um ponto de inflexão no mercado bancário brasileiro. Para mitigar os impactos da crise financeira internacional na economia do país, foi iniciada uma expansão do crédito público, que ganhou força principalmente a partir do primeiro Governo Dilma (2011-2014), quando os bancos comerciais passaram a ser utilizados também para pressionar para baixo as taxas de juros do mercado.
Esse movimento durou até dezembro de 2015, quando o saldo das operações de crédito como proporção do PIB atingiu a sua máxima histórica (53,7%). De lá até maio deste ano, a participação dos bancos públicos caiu 3,1 pp (de 29,9% para 26,8%), mais do que a dos privados – que recuou 2,6 pp, de 23,7% para 21,2%.
A queda mais acentuada da participação dos bancos públicos (que inclui BNDES) está associada à menor disposição para investimentos das empresas, ao aumento das taxas de juros dos bancos comerciais – atualmente equiparadas às dos bancos privados – e ao próprio esgotamento do modelo de expansão do consumo, do crédito e dos gastos públicos.
Diante de uma das maiores crises econômicas da história do país, em que o setor público poderia agir de maneira anticíclica, infelizmente não há espaço para expansão dos investimentos do governo, ao mesmo tempo em que os bancos públicos buscam melhorar sua rentabilidade. Ainda que em recuperação, porém, a média do retorno sobre o patrimônio líquido dos dois principais bancos públicos era, no 1º trimestre deste ano, metade da média do retorno das três maiores instituições privadas do país.
O aumento da rentabilidade, contudo, parece vir à custa da piora no atendimento. No primeiro trimestre, os dois bancos públicos apareciam entre as três instituições mais reclamadas no Ranking por Índice de Reclamações do Banco Central – considerando apenas bancos com mais de quatro milhões de clientes.
É verdade que a promoção da competição bancária nos últimos anos, embora desejável, parece ter sido conduzida de forma equivocada. O papel das instituições financeiras sob controle público, porém, não deveria ser negligenciado, uma vez que o mercado bancário brasileiro tem falhas e essas instituições também podem desempenhar um papel importante para diminuir os impactos negativos dos ciclos econômicos na vida da população.
Todavia, caso essas instituições passem a atuar como meros bancos comerciais, vale o questionamento de por que mantê-las sob controle público, já que linhas de crédito direcionadas para setores como agricultura, habitação, educação e infraestrutura, por exemplo, poderiam perfeitamente ser distribuídas pela rede privada.
Boanerges Ramos Freire é sócio e presidente da Boanerges & Cia.
Vitor Augusto Meira França é economista pela USP, mestre em economia pela FGV-SP, professor universitário e consultor da Boanerges & Cia.

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