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A história de um pioneirismo



Se, durante a década de 1960, o Brasil viveu a opressão com a instalação da ditadura militar, que relegou ao silêncio forçado todas as instituições democráticas, já em 1983 o País timidamente voltou a experimentar a abertura democrática, e ressurgiram os debates para a criação de canais de comunicação entre as instituições do Governo e a população. Quando, em 1986, a primeira ouvidoria pública foi instituída na cidade de Curitiba-PR, pelo decreto-lei nº. 215/86, a população viu surgir a possibilidade de voz ativa depois de duas décadas de silêncio imposto. Do outro lado do canal, estava Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes, primeiro ouvidor público do Brasil, cuja figura mistura-se à trajetória de implementação da atividade no País. Confira a Entrevista Exclusiva.

 

Por que instituir uma ouvidoria logo após a ditadura?

Porque queríamos democratizar a administração pública municipal. Fazer com que o munícipe, de fato, participasse da gestão administrativa do município, além de implantar uma cultura de respeito aos interesses e direitos legítimos dos munícipes de Curitiba. Para isso, fomos buscar na Suécia, no Instituto do Ombudsman, a nossa inspiração para criar a ouvidoria. E também nas constituições Portuguesa e Espanhola, ambas saídas de um regime ditatorial, e que intitularam o Instituto do Ombudsman como defensor do povo e provedor de justiça.

 

Essa cultura resultou na instituição de outras ouvidorias…

Ao nos basearmos no Instituto do Ombudsman, tínhamos receio de que esse processo de importação de uma instituição estrangeira para o Brasil gerasse a perda de identidade da mesma, o que é muito comum na história brasileira. Assim, imaginamos, em um primeiro momento, criar a ouvidoria pública no poder executivo para, após um ano de experiência, elaborarmos um projeto de Lei e encaminhá-lo à Câmara de vereadores. Assim, criaríamos uma ouvidoria nos moldes do ombudsman clássico, ou seja, um órgão voltado para o controle do poder Executivo com sede no Legislativo.

De fato, após um ano, elaboramos o projeto de Lei e o submetemos a um conjunto de juristas no 2º Simpósio Latino-Americano de Ombudsman, realizado em Curitiba, e após o projeto ser aprovado, o encaminhamos para a Câmara.

Por razões políticas, o projeto foi retirado da Câmara. Com o advento da Lei Orgânica, Curitiba passou a contemplar o Instituto da Ouvidoria Pública. Curitiba constitucionalizou o Instituto do Ombudsman. Lamentavelmente, desde a edição da Lei Orgânica, em 1991, ainda não foi implantada a nova ouvidoria na cidade, ela ainda concede no poder Legislativo.

 

Quais foram os grandes movimentos que aconteceram no mercado de ouvidoria nesse período?

É muito difícil estabelecer a história das ouvidorias públicas no Brasil, porque elas passaram a surgir com diversos modelos a partir de diferentes paradigmas. Apesar disto, se buscarmos estabelecer alguns marcos no processo evolutivo, eu diria que o período que vai de 1824 até 1986 apresentou um conjunto de iniciativas tendentes a institucionalizar a figura do ombudsman no Brasil.

O marco inicial foi um projeto apresentado por um deputado federal que tentava instituir o chamado “juiz do povo”, cargo voltado para a defesa dos cidadãos injustiçados por ato de administração pública. Esse conjunto de iniciativas parlamentares não surtiu efeito porque não foi aprovado. A primeira oportunidade de institucionalização das ouvidorias ocorreu logo após a ditadura militar, com o início do processo de democratização no Brasil. Em Curitiba, iniciamos a história das ouvidorias públicas do Brasil exatamente nesse período, quando sentimos que existia uma demanda na sociedade voltada para democratização da administração pública.

Em 1986, vem o segundo marco, quando se institucionaliza a primeira ouvidoria. O terceiro marco chega em 1995, com a criação, no Paraná, da primeira rede de ouvidorias. Foi o primeiro sistema que envolvia ouvidores em todos os órgãos do poder Executivo do Estado do Paraná.

O quarto marco viria com a edição da emenda constitucional 19, em 1998, quando as ouvidorias das agências reguladoras são instituídas. Esta é a primeira vez que se institucionalizam ouvidorias com previsão legal, com mandato, ou seja, ouvidorias muito parecidas ao Instituto do Ombudsman.

Esses quatro marcos nos situam nesse complexo processo evolutivo da institucionalização das ouvidorias públicas no Brasil.

 

Atualmente, a ouvidoria tornou-se uma grande preocupação das instituições privadas e empresas. É uma tendência universal?

Devemos ter muito cuidado na análise das ouvidorias públicas, porque elas podem ser um mero instrumento de marketing na mão das empresas e de alguns administradores públicos. Se a ouvidoria está voltada exclusivamente para estabelecimento de relações com o consumidor com objetivo de amortecer reclamações e denúncias, voltadas para evitar que o consumidor exija seus direitos em na justiça, então, este órgão não merece o nome de ouvidoria, uma vez que não foi constituída para atender a demanda do cidadão, mas para atender os interesses do administrador público ou da empresa privada.

Um bom exemplo são ouvidorias instituídas por empresas privadas que não são mais do que um balcão de informações. Recebem a reclamação do consumidor e com esta reclamação pretendem, simplesmente, evitar o ajuizamento da competente ação judicial voltada para garantia do direito do consumidor.

Hoje, a instituição de ouvidorias, call centers, balcões de reclamações e SAC’s virou moda. Com o processo de aperfeiçoamento do capitalismo brasileiro, volta-se para a tentativa de viabilizar a produção de produtos ou a realização de serviços de forma mais adequada aos interesses do consumidor. Esse processo de aperfeiçoamento do capitalismo justifica a criação desses canais de acesso entre o consumidor e a empresa e entre o cidadão e o Estado.

A ouvidoria é mais do que um simples canal de relacionamento, é um espaço diferente do SAC, do balcão de reclamações e de tantos outros instrumentos de recepção de reclamações. Ela é voltada para a garantia dos direitos e interesses legítimos dos consumidores e cidadãos.

 

O que se espera das ouvidorias no futuro próximo?

Acho que a contemporaneidade nos permite inaugurar uma nova fase das ouvidorias públicas no Brasil. Nesta fase, as ouvidorias passam a ser espaços públicos de participação popular, voltados para viabilizar a vocalização dos interesses e dos direitos dos cidadãos e dos consumidores nos centros decisórios das empresas e dos Estados. Assim, ela se constitui um canal de acesso de internalização da demanda do consumidor, e cabe ao ouvidor garantir a igualdade de posição entre o cidadão e o servidor público, entre o consumidor e a empresa privada.

O ouvidor teria a missão de garantir a integralidade da reclamação e a garantia de que ela chegaria aos centros decisórios, onde estabeleceria uma contraposição para que a empresa ou a administração pública tivesse síntese produtiva no sentido de avançar no aperfeiçoamento dos serviços, nos moldes desejados pelos cidadãos e consumidores. O ouvidor estaria voltado para ampliação do nível de eficiência da prestação do serviço público e privado. Eficiência entendida como serviço adequado à demanda do cidadão e do consumidor. Hoje, há condições de inaugurar esta nova fase e, ao fazer isso, estabelecer um protocolo na Associação Brasileira de Ouvidores (ABO), de requisitos básicos para que as ouvidorias se adequem a este conjunto de requisitos necessários para o pleno exercício do atendimento ao consumidor e ao cidadão.

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