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A questão não é meramente conceitual!



O que se esperava aconteceu. No dia 1 de dezembro de 2008, as centrais de atendimento receberam mais chamadas que o volume normal, justificadas como decorrência tanto de clientes quanto dos órgãos de defesa do consumidor, testando se as empresas enquadradas na regulamentação do SAC estavam cumprindo as regras estabelecidas pelo Ministério da Justiça, em julho. Imagine a cena: de um lado as empresas, com batalhões de operadores, esperando as ligações de clientes e fiscais que, do outro lado, queriam testar se o Decreto – que regulamenta a Lei do SAC – estava sendo cumprido. E era meia-noite! Resultado: no segundo dia, apenas o Procon do Distrito Federal recebeu mais de cem reclamações. Mas se pelo lado empresarial, as empresas se prepararam, revendo processos, adotando tecnologias adicionais e ampliando as posições de atendimento, com contratação e capacitação de pessoal, gerando custos adicionais; por outro, o governo engrossou a mão em favor dos clientes.

As primeiras vitórias das empresas, justificando a dificuldade em atender itens da Lei, foram conquistadas nos primeiros dias de dezembro com liminares concedidas à Continental Airlines e American Airlines. A primeira obteve liminar sob a tese de que não é razoável que uma companhia com um número reduzido de vôo para o País e recebe, em média, uma reclamação por dia, mantenha uma estrutura de atendimento funcionando 24 horas por dia, 7 dias da semana. A segunda, um mandado de segurança na mesma linha: as operações no Brasil são muito pequenas.

Mas pelo lado da fiscalização, os Procons, além da promessa de rigidez, anunciaram a criação de um Barômetro, dedicado a medir a adequação à regra, por meio de questionários respondidos pelas empresas. Também foram feitas adaptações no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), que registra, nos Procons de todo o País, as queixas dos consumidores. Além da criação de um site na internet que reúne as informações sobre as novas regras, para consulta pelos clientes, no endereço www.conquistadoconsumidor.com.br. O apelo à opinião pública se revelou bastante forte, com campanhas publicitárias e presença marcante nas mídias.

Surpreendidas ou não pela fiscalização, as empresas esperavam um estouro de ligações para testar se a regulamentação estava sendo cumprida desde julho, quando se estabeleceu um grande debate no segmento sobre as conseqüências da Lei. O calcanhar de Aquiles das companhias, em relação à regulamentação, foi o custo gerado e como ele seria distribuído entre os vários elementos da cadeia que compõe a gestão de clientes. Em um processo de terceirização, o callcenter foi o primeiro alvo, pois teve de investir em aumento de infra-estrutura, contratação e tecnologia, encarecendo a operação. A ponta dessa rede pode ser o cliente, que pagará mais caro pelo serviço. O próprio Ministro Tarso Genro reconhece os investimentos e justifica que as empresas deverão discutir o possível aumento das tarifas com as agências reguladoras. O tom do Ministro, porém, chega ao argumento de que os preços no Brasil são “altamente satisfatórios” para as empresas, por isso não haverá a necessidade de aumento.

Outro ciclo, nada virtuoso, é o da multa. Segundo Ana Lucia Vidigal Lopes da Silva, advogada e sócia do escritório Lopes da Silva & Associados, a prestadora do serviço e não o callcenter terceirizado é que arcará, primeiramente, com a multa. “O cliente, ao telefonar para o SAC, não tem noção se o atendente é funcionário ou não daquela companhia”, afirma. Porém, Ana Lucia ressalta que de acordo com o Código de Defesa do Consumidor toda a cadeia de fornecedores é “responsável solidariamente a qualquer vício ou defeito do serviço”. Ou seja, assim como o cliente, o Poder Público também julgará a prestadora de serviços. E nada impede que ela “cobre regressivamente da terceirizada os valores que tiver despendido com a multa, em razão da culpa do callcenter no exercício de sua atividade”, finaliza.

Muito mais do que questões referentes aos insumos tecnológicos, o ponto principal é o custo, tanto o referente à adaptação – a Telefônica, por exemplo, investiu R$ 50 milhões em seu SAC, em insumos tecnológicos, contratação e treinamento -, quanto à multa, que pode variar de R$ 212,00 a R$ 3.192.300,00. Além dos altos investimentos, a nova Lei acarretará em mudanças profundas na relação das empresas com as áreas de relacionamento com cliente: além de ser mais cara, ela deverá seguir padrões rígidos de qualidade e não poderá ser deixada de escanteio em políticas de corte de gastos. Para Vladimir Valladares, diretor executivo da V2 Consulting, as principais mudanças virão em médio prazo, principalmente se o Procon confirmar sua rigidez na fiscalização. E a transformação virá por aqueles que perceberem que a verdadeira adaptação à Lei não é apenas investimento em tecnologia e números de PAs, mas também no posicionamento da área de gestão de clientes dentro dos processos da empresa, passando por um processo de reconhecimento da real importância desse setor.

Neste cenário, a médio prazo, após o burburinho inicial, com a consolidação e aplicação de multas, as empresas tomadoras de serviço e os callcenters terceirizados terão de rever suas relações. Para muitos empresários do segmento de contact centers, os serviços oferecidos pela maioria dessas empresas estão de acordo com a nova Lei. E parte da contratante a decisão de investir mais ou menos no atendimento.  Andrés Rueda Garcia, diretor-presidente da Uranet, escancara como a grande problemática a questão financeira: “O setor de callcenter é apenas uma ferramenta na mão de seu cliente. Quem dita o padrão de atendimento e normas desejadas quanto à qualidade, filas, horários e SLA é o cliente. Todos os callcenters têm condição de atender as normas ditadas pelo decreto. Cabe ao seu cliente elevar o padrão desejado de qualidade e obviamente pagar a conta”, afirma. Diogo Morales, presidente da TMS e do Sintelmark, o sindicato empresarial, diz que as normas mudarão os processos.  “Com o Decreto, as empresas deverão rever todo o fluxo, desde a criação do produto até tecnologias envolvidas e o atendimento ao consumidor em todos os canais disponibilizados”.  Miguel Windt, diretor-comercial da Tmkt, concorda com Morales: “Não adianta ter excelente tecnologia e uma mão de obra muito bem qualificada se não tiver processos claros a seguir, que resolvam a necessidade do cliente na primeira chamada, pois o principal descontentamento dos consumidores está em não ter suas necessidades resolvidas prontamente”, afirma.

A segunda crítica vinda dos terceirizadores são as negociações com as empresas. Os pontos da negociação durante o processo de outsourcing comprometem o terceirizador, ao acordar que determinado número de PAs está apto a realizar a demanda exigida pela empresa, que, por sua vez, pode oferecer uma quantia mais baixa, com isso o callcenter também assumirá a responsabilidade pelo mau atendimento, e poderá arcar com as multas futuramente. Garcia afirma que a normatização exigirá maiores investimentos em callcenter, podendo colocar em cheque a própria terceirização desses serviços usada, em grande maioria, para diminuir os gastos gerais das empresas contratantes.

O pagamento das multas ainda é um fator em debate, com muitas dúvidas. Para Windt, a responsabilidade deve ser do contratante por serem extremamente elevadas e não caberem nas margens de negociação. “Além disso, seguimos processos orientados por nossos clientes e nos adequamos em tecnologia e staff de acordo com as necessidades solicitadas pelos mesmos para atender seus níveis de serviço. Esperando assim que a responsabilidade sobre estas multas, se houverem, sejam suportadas pelas empresas contratantes”, explica. Já Garcia acredita que sanção “deve ser paga pelo seu causador”, afirma. E prossegue, “Multas por um dimensionamento inferior ao necessário, não cumprimento do acordado e workflow não gerenciado são dos clientes. Toda eventual multa ocorrida por falhas nas ferramentas disponibilizadas pelo callcenter deve ser do callcenter”.

Porém, todas essas adaptações serão finalizadas em médio prazo, como prevê Valladares, tanto com a manutenção da fiscalização do Procon, quanto com as multas que serão geradas. O próprio Ministro da Justiça concorda: “o sucesso não será imediato. Nós já temos um nível de sucesso, é que a Lei está sendo compreendida, as empresas estão buscando adequar-se e já ocorrerão melhoras significativas. “Mesmo com as ressalvas, o Ministro lembrou que o prazo de adequação dos fornecedores já acabou e eles estão sujeitos à multa. “A norma é vigente, as empresas têm obrigação de prestar um serviço de alta qualidade, mas estamos prevendo que nem todas estarão adequadas, então o que o consumidor tem de fazer é reclamar, se queixar, e nós, fiscalizarmos”, afirma Genro. A promessa fica feita pelo Ministro, às empresas resta a adequação, principalmente, dos seus custos.

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