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A retórica que corrói a marca



Recentemente, a campanha publicitária de um dos mais respeitados jornais de São Paulo e do País separou as pessoas, atitudes e posicionamentos entre ‘aumentativos’ e ‘diminutivos’. Isso foi feito para enfatizar a qualidade de seu conteúdo e de seus leitores. Até aí, nada de mais. O que me parece incompreensível é que a mesma empresa jornalística é capaz de veicular um anúncio, em tom de comédia, onde, no pretexto de convencer o leitor que seus classificados vendem mais do que os da concorrência, coloca um potencial comprador diante de um anunciante de um apartamento que, na verdade, não queria vendê-lo, mas somente testar suas imitações.

A mensagem que fica é: “pode anunciar, que as pessoas vão ligar”. Não importa o que esteja sendo vendido, não importa se a venda seja ou não real. Não tenho dúvidas que a intenção da campanha é ilustrar o potencial de circulação do veículo. Até alcança o objetivo. Mas, por outro lado, gera a interpretação de que não existe preocupação com o caráter de quem anuncia ou com a consistência do anúncio. Péssimo negócio para quem consulta.

Não me parece nem aumentativo, nem didático, divulgar uma mensagem publicitária dessa natureza. Está na hora de enfatizar a honestidade, e não a esperteza. O certo, e não o duvidoso. O transparente, e não o oculto. O anúncio é, sem dúvida, divertido e chama atenção. Mas será que isso é tudo o que importa? Nossa sociedade precisa de bons exemplos. No final do dia, qual a promessa de valor dos classificados oferecidos: “Circulação para quem anuncia” ou “qualidade e credibilidade do anúncio para quem busca algo”?

Imagine que amanhã, você, leitor ou leitora, procure algo nestes classificados e, por desventura, caia em um golpe. De quem será a responsabilidade? Do anunciante, com certeza. Mas, e o veículo? Será ele isento de qualquer responsabilidade em verificar a consistência e a credibilidade do anúncio? Como o “Atendimento ao Leitor” responderá a um eventual questionamento?

Meu receio é que, em situação semelhante, acabemos por receber a fatídica resposta: “Lamentamos o seu problema senhor, mas a responsabilidade do anúncio é de quem anuncia. O senhor deveria ter avaliado melhor antes de ter respondido ao anúncio”. A lei protege os jornais em relação aos seus classificados. No entanto, acima da lei, está o que a empresa deseja para seus clientes, neste caso, para seus leitores. É esta a primeira preocupação de uma empresa quando lança ao vento uma mensagem publicitária.

“É a retórica do marketing”, me diz um profissional da área por quem tenho verdadeiro apreço. Mas não me convenceu. Entendo que a publicidade, a despeito de ser um instrumento de divulgação da marca e promoção e venda de produtos, também estabelece um compromisso entre quem vende e quem compra. Seja qual for o tom ou a forma da mensagem veiculada, o que é dito em uma campanha traduz-se em compromisso tácito que representa o caráter e a credibilidade do anunciante na oferta do produto ou serviço. Logo, é preciso muito cuidado com as figuras de linguagem utilizadas. Uma parcela do público pode absorver a idéia de forma equivocada, ou a mensagem pode sugerir algo que o produto ou serviço não tem condições de cumprir.

Em uma outra campanha televisiva, um conhecido Banco questiona conceitos como sofisticação, intelectualidade e glamour e passa a mensagem de que a instituição respeita as convicções do cliente e trabalha para atendê-las. O que é perfeito para você?

Ora, independentemente da “retórica de marketing” utilizada, a perfeição tem de ser perfeita. Logo, quando a perfeição prometida em uma campanha não chega às mínimas esferas do que se espera, a empresa deve ter a humildade de reconhecer e reparar os erros.  Mas, na maioria dos casos, o que se recebe como resposta é o já comum pedido de desculpas. Nas entrelinhas, fica a mensagem: “Senhor, a realidade nem sempre é como gostaríamos que fosse. Não podemos nos responsabilizar pela sua interpretação de nossa publicidade. Estamos procurando melhorar. Fazemos como manda a lei. Esperamos a sua compreensão”.

E a marca vai sendo lentamente corroída pelos cupins da retórica. Um belo dia, a casa cai, e quem fica sequer sabe direito porque isso aconteceu.

Enio Klein é diretor da K&G e professor dos cursos de MBA/Marketing da FEA/USP.E-mail: [email protected]

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