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E ele acreditou…

Nós brasileiros escutamos desde criança sobre o famoso “jeitinho brasileiro”. Esta “manifestação da cultura brasileira”, muitas vezes pode ser interpretada como criatividade, o que é bom; outras vezes é usada pejorativamente para descrever a maneira ou forma que o brasileiro tem de “burlar” regras ou “levar vantagem”. Aqui temos a “lei que pega” e a “lei que não pega”. Será que nós, brasileiros, nascemos assim, com esta vocação natural para a rebeldia ou indisciplina ou, de tanto sermos submetidos a processos e regras desenhadas por burocratas distantes do dia a dia, criamos o tal “jeitinho” para podermos sobreviver?
Parafraseando Darwin, será que neste ambiente só sobrevive o “mais esperto”? Será que somos sempre culpados? Acho que não. Mas esta é uma discussão muito mais complexa do que os assuntos que trataremos aqui. A origem, no entanto, é a mesma.
Da mesma forma que no mundo animal, a girafa foi alongando o seu pescoço para que pudesse comer as folhas nos galhos mais altos das árvores, nós, clientes, em nosso ecossistema , precisamos diariamente criar alternativas para resolvermos problemas em nosso mundo de transações e relacionamento com fornecedores. Afinal, precisamos comprar, receber, pagar, consertar, negociar, obter uma segunda-via. Coisas simples. Nem sempre. Processos complicados, distantes do mundo real e excessivamente burocráticos onde o bom senso é deixado de lado, tornam atividades simples em discussões desgastantes, custosas e totalmente ineficazes. Várias chamadas, vários registros, protocolos, milhares de argumentos, até que em dado momento surge ele, “o jeitinho brasileiro”.
O que não nos damos conta é que esta “ferramenta de adaptação” que desenvolvemos, pode até resolver o problema imediato, mas também colabora para alimentar o monstro da burocracia com o qual iremos brigar amanhã.
Quanto mais criamos alternativas, mais a burocracia descobre meios de nos amarrar e nos engolir. O pior é que nem sempre sem razão, já que o mesmo “jeitinho” usado para nos ajudar, para resolver os problemas, pode ser usado para enganar, para burlar. São todos filhos dos mesmos processos. Mal feitos, mal desenhados, distantes da realidade e mal implementados. Quem paga? O justo pelo pecador. Sempre. Quem perde? Todos nós. Quem ganha? Difícil de responder. É um círculo vicioso poderoso e difícil que necessita de gestores fortes, criativos e corajosos para ser quebrado. Conheço vários, mas ainda em número muito menor que o necessário. Ainda são mais fáceis de encontrar aqueles que buscam, por vaidade ou orgulho, os holofotes e os prêmios.
Um exemplo interessante veio de uma internauta, que relatou um caso ocorrido com ela há algumas semanas. Embora ela não tenha pedido para não ser identificada, pelo contrário, pela proximidade que tenho com ela, prefiro não mencionar, assim como não mencionarei, também o fornecedor.
O marido dela possui uma firma no Rio de Janeiro e por ela fez um contrato corporativo com uma importante operadora de telefonia celular GSM. Através deste contrato adquiriu telefones celulares para seus funcionários. É uma empresa de serviços, pequena e familiar. Parece razoável que peça à esposa para resolver certas questões, principalmente as que podem ser consideradas simples.
Eu, pessoalmente, entendo que solicitar uma segunda-via de conta é simples o suficiente. Você, internauta, há de concordar comigo. O agente da central de atendimento não viu a questão desta forma: ao receber a ligação disse que “para a segurança do assinante, qualquer solicitação – qualquer uma – só pode ser feita pelo administrador da conta”.
A esposa argumentou que o marido é ocupado e que, afinal, ela só queria pagar a conta que não havia chegado e como contas não vencidas não estavam disponíveis pela internet, ela estava entrando em contato para solicitar a segunda via. “Não podemos fazer isto, senhora; somente o administrador poderá solicitar esta operação”. Bem todos vocês já viram filmes semelhantes, e apesar da esposa informar e responder tudo o que deveria ser respondido de forma correta, não pôde resolver o problema. Não naquela chamada.
Não há dúvidas que existem razões de segurança importantes a serem consideradas, porém o fato é que o processo tratado não parece colocar nada nem ninguém em risco. Mesmo assim, admito que a operadora pode ter suas razões mas, seguramente a solução não é restringir mas adequar o processo à situação real, que afinal, não é única nem particular. Mas os gestores preferem a comodidade do processo duro e rígido. Dá menos trabalho. E depois falam em “encantar o cliente”. Não parece.
Mas a grande surpresa que este caso nos reserva não é esta. Eis que a esposa desliga o telefone e 10 minutos depois liga de novo, e à solicitação de identificação feita pelo agente da central, responde sem hesitar: meu nome é …e lá vai o nome do marido. Obra-prima do “jeitinho brasileiro”. Quem é que vai questionar a voz? Quem é que vai dizer que só porque parece ter voz de mulher, a esposa não é o marido? O resultado é que ela obteve a segunda via. E a segurança? Bem….eu é que pergunto? E a segurança?
Com certeza os competentes gestores desta operadora e desta central, se tiverem a oportunidade de ler este artigo, imediatamente tomarão as providências necessárias para evitar que este fato se repita. Pessoas serão responsabilizadas. Possivelmente os agentes. Minha sugestão é que, para variar, exercitem um pouco a criatividade e inteligência, e de outra forma, além da policial, com coragem e competência resolvam a questão com olhar e sentimento do cliente. Preservem a segurança da empresa e do próprio assinante mas não tentem simplesmente varrer a sujeira eventual e indesejada para que tudo pareça não ter acontecido ou, simplesmente criem regras mais complicadas para evitar que, quem quer que seja consiga, a partir de hoje, obter uma segunda via. Isto é facil demais e vocês são melhores do que isto, com certeza.
Ainda bem que a internauta que me relatou o caso me autorizou a escrever, pois creio que ela não poderá utilizar este artifício novamente e conseguir uma segunda via da próxima vez. Mas achará outra forma. Infelizmente antes que boa parte dos gestores das centrais de atendimento se deêm conta de que precisam mudar a forma com que definem e implementam seus processos.
Enio Klein é diretor da K&G e professor dos cursos de MBA/Marketing da FEA/USP.
Veja a seqüência de artigos sobre este assunto no portal www.callcenter.inf.br.

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