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O cliente único, em cenário globalizado



A trajetória de um dos maiores executivos brasileiros pode ser explicada por uma curiosidade. Ou a premonição dos líderes.  Ainda com seus 16 anos, em Bauru, onde nasceu filho de família humilde, o adolescente Ozires Silva tinha um sonho de fabricar avião. Do sonho juvenil a pilotar o projeto da Embraer foram alguns anos, até transformar a empresa no terceiro maior produtor mundial de jato. Nesta Entrevista Exclusiva, Ozires Silva se emociona ao ser questionado se se considera um profissional realizado. “Por maior que fosse o sonho, a realidade o suplantou!”, diz. Aos 77 anos, o oficial da aeronáutica e engenheiro, carrega parte da história da aviação brasileira: ficou na companhia de sua fundação (em 1970) até 1986, retornando em 1992 para conduzir o processo de privatização. Sua carreira inclui presidências da Petrobras e Varig, além de ministro da Infra-Estrutura, em 1990.

A alquimia profissional chega ao reconhecimento do executivo que preside o conselho administrativo de várias empresas como da Sundown, WTC, OdontoPrev, Osec e Pelenova. Aliás, a Pelenova foi uma daquelas empresas que recebeu o business plan e decidiu a injeção de recursos, apostando em um business diferenciado e baseado em biotecnologia que tem projeção de crescimento acelerado por impor grande diferencial em um mercado altamente comoditizado. Mas ele ainda assumiu como reitor da Universidade de Santo Amaro (Unisa) e é membro do Conselho Brasileiro para o Desenvolvimento da Ciência.

Estar na Unisa, para ele, também é um objetivo pessoal. Depois de ter formação básica na escola pública, chegou ao Instituto Aeronáutico de Tecnologia, o ITA. “Se não fosse pelo ITA, a Embraer não existiria”, aposta. Se a educação é a porta básica para o posicionamento do Brasil no cenário internacional, a falta de estratégia para posicionar o País no cenário global é outro grave problema. “A tendência do Brasil foi de abrir mão”, avalia Ozires, citando o caso da criação de uma indústria automobilística. “Alguns estrangeiros estranham quando contamos que somos um dos maiores produtores mundiais de aviões, com marca brasileira, mas não temos carro”, justifica. Mas ele se demonstra profundo otimista: “Acho que no futuro vamos ter de começar a rever os nossos conceitos de produção e teremos mais marcas brasileiras no mercado.” Mas por traz de projetos como a Embraer, pauta de seu último livro, “Nas Asas da Educação – A Trajetória da Embraer”, está a experiência de um dos maiores executivos do País que, nesta Entrevista Exclusiva, conta experiências de clientes, com clientes e muito da heróica evolução do empresariado brasileiro, com reflexões sobre o futuro da economia no cenário de globalização.

Como o senhor se sente como cliente?
Não tenho uma grande experiência como cliente. Acho que eu sou um sujeito razoavelmente diferenciado, vou planejado para a loja. Muitas vezes tenho a impressão que chego a frustrar os vendedores, porque vou direto ao que quero, compro e saiu da loja com uma rapidez enorme. Mas isso no varejo. Trabalhei com determinados tipos de produtos, como avião, absolutamente diferenciados, extremamente caros, que precisam ser vendidos com características técnicas sofisticadas. Do ponto de vista macro, o mundo de hoje é global. Produtos do mundo inteiro são vendidos no mundo inteiro. Podemos atravessar a rua e do outro lado encontrar um produto chinês, por exemplo. Mas o inverso não é verdadeiro. Os produtos brasileiros não estão nos principais mercados do mundo.

Mas a questão é empresarial ou de consumo?
Com esse cenário, a pergunta que estamos nos fazendo é: quais seriam as características fundamentais que o vendedor brasileiro deveria ter para vender os seus produtos dentro dessa variedade imensa? E também como garantir ao cliente que ele está entregando exatamente o que prometeu, porque esse é um ponto fundamental em relação à clientela, em particular com o vendedor: deve ser absolutamente sério e informado. Uma colocação mal feita em um processo de vendas pode gerar uma insatisfação do cliente e muitas vezes prejudicar a própria venda. E o negócio. Hoje o consumidor sabe avaliar, por causa da presença de produtos estrangeiros no mercado, e a indústria brasileira tem de fornecer itens com a mesma qualidade, pelo menos em relação ao preço. Porém, o Brasil não é um País barato. Infelizmente, a formação do custo aqui é maior do que se observa no exterior.

Como as empresas se preparam para este novo consumidor?
Hoje, claramente, os produtos vivem menos no mercado. É muito comum ter novos itens disponíveis. O vendedor precisa ter um grande cuidado: ter um pé do lado da empresa que está servindo e o outro no interesse do consumidor. Muitas vezes o vendedor, na conversa com o cliente, nota o desejo por algo mais daquilo oferecido. É hora de lembrar do catálogo com o mesmo produto sendo fornecido em um modelo um pouco melhor e com as características pretendidas pelo comprador. Aí, o dilema: ´vendo este que está aqui, ou peço para o cliente aguardar um pouco até que outra versão esteja disponível?´. Hoje as companhias estão em busca permanente do novo, porque realmente gera oportunidade de venda. E o vendedor se tornou um técnico e deve estudar sempre, para conhecer sobre todos os produtos da loja. Deve estar multiplexado. Porque se o comprador chegar em uma loja e perguntar onde acha lâmpada para mesinha de cabeceira e o atendente responder que não sabe, a tendência do mesmo é sair da loja.

Quais as mudanças de hábito do novo consumidor?
Hoje, o consumidor tem consciência de que compra um produto para atender uma necessidade. E o vendedor precisa “entregar o que promete”, isso é essencial. E o comprador não tem noção de quanto custa a mais a qualidade, apenas espera que o produto seja bom independente do preço que pagar. Mesmo nas classes de menor poder aquisitivo, a compra é por qualidade. O comprador espera que o produto satisfaça sua necessidade. Podemos globalmente falar que o consumidor é absolutamente “novidadeiro” – ele não sabe, na maioria das vezes, dos limites tecnológicos para atender às suas necessidades.  Há uma tendência clara para que os produtos sejam multifacetados. No passado, lembro que o comprador não queria determinado objeto porque se fizesse muita coisa e desse pane, não daria para consertar somente aquele pedacinho. Hoje não se pensa assim.

É claro para o senhor a diferença entre o perfil do consumidor brasileiro, europeu e americano?
O europeu é mais um poupador, parcimonioso em suas compras. Em algumas áreas, na França, Alemanha e até na Itália, já percebemos o consumidor mais “novidadeiro”, mas não na escala que temos no Brasil e Estados Unidos. Nos EUA, a clientela é extremamente volátil, e vai atrás do produto que acha melhor. E, todos são influenciados pela opinião boca-a-boca. As campanhas publicitárias em jornal e revista são para criar e estimular esse isto. O japonês também é um poupador por excelência. E, agora vem o chinês, que é muito curioso. O que acontece na China, um país totalitário e comunista que está funcionando sobre as regras do capitalismo: o chinês está comprando um bocado. É um mercado gigantesco. Hoje, com pequeno poder de compra, mas à medida que crescer não poderá ser negligenciado, por nenhum país produtor do mundo. Inclusive o nosso.

Mas como associar, em um mundo globalizado, uma estratégia de atender perfis segmentados de clientes?
Depende do produto que está sendo ofertado. Se for automóvel, provavelmente o seu apelo pode ser diferente do meu. Mas o que queremos em comum do carro é girar a chave e dar partida. Trata-se de garantia de despachabilidade e, para isso, o produto precisa ser confiável. A pergunta que se coloca é como podemos apresentar essa qualidade ao consumidor? A meu ver isso vem com a garantia. A Hyundai, por exemplo, lançou um carro com cinco anos de garantia, independente da quilometragem. A empresa quebrou uma regra: passa ao comprador a percepção de que ele está levando um carro absolutamente confiável. Não que a companhia queira dar assistência técnica de cinco anos, mas o marketing tentou mostrar para o consumidor que tem um produto confiável. O comprador não quer, mesmo com a melhor assistência técnica do mundo, levar o produto para ser reparado. Acho que isso é unânime: ninguém quer que o produto seja consertado. Se as coisas não funcionarem, o consumidor muda de idéia e corre para o concorrente.

Ao longo de sua experiência como executivo, quais foram os processos de inovação – ou de paradigmas – que o senhor percebeu?
Essa é uma luta permanente. Nunca está pronto. Mas o paradigma que realmente foi quebrado se refere à qualidade. Comparo a uma corrente, com vários elos. Se um deles se rompe, a corrente inteira quebra. Pode-se ter qualidade em todos os componentes, se um deles falhar, o produto não funciona. Os fornecedores passaram a observar padrões de qualidade que não havia no passado. Certa vez, conversei com um dirigente de uma empresa chinesa – quando a China iniciou a fabricação de peças complexas e com alto valor agregado -, que disse ter começado a fabricar estes produtos com um nível de rejeição dos fornecedores de 70%. Hoje a empresa dele está lutando para passar abaixo dos 3% de rejeição. Entre os padrões de qualidade da aviação, há o requisito da segurança da vida humana, o que os torna mais grave, pois não podemos ter falha. Por isso, trabalha com redundância – se um componente falhar, pode ser ultrapassado por outro sem ação do piloto – ou duplicação de transmissores, receptores, motores. Mas quem se lança no processo produtivo hoje, tendo em vista a legislação bastante evoluída de proteção ao consumidor, deve ser muito cuidadoso com qualidade, para evitar que se transforme em uma responsabilidade onerosa. O consumidor hoje tem muito mais conhecimento dos seus direitos.

E quais os novos desafios das empresas?
Existem escritórios e muitos advogados, estudiosos do sistema legal, que ministram cursos de treinamento para conscientizar a força de trabalho da importância e o que isso significa como responsabilidade das companhias. É uma característica de treinamento também, e sempre dentro do conceito de que a empresa, o vendedor, o empregado precisam estar motivados no sentido dessa responsabilidade perante terceiros. Isto se estende a todo mundo que trabalha no sistema produtivo, de quem começa a preparar a matéria-prima ao produto final. E este não é um processo fácil.

O senhor acha que inovação e quebra de paradigma são as palavras que abrem portas para um deslocamento de poder dentro do mercado global?
O consumidor hoje é muito “novidadeiro”. Sempre busca produtos multifacetados. Os países estão buscando exatamente isso. É a oportunidade que a Ásia está aproveitando agora. Se falarmos em Coréia, Tailândia, Japão e, recentemente, a China, vamos ver que estão caminhando nessa direção: trabalhar com produtos inovadores e com quebra de paradigmas. Algumas peças coreanas recém-lançadas estão em um mesmo nível com o que há de melhor no mundo.

Qual a posição do Brasil neste contexto?
No Brasil, infelizmente, temos fabricado muito mais sob licença que criado nossos próprios produtos. Alguns estrangeiros estranham quando contamos que somos um dos maiores produtores mundiais de aviões, com marca brasileira, mas nós não temos carro. Já os coreanos têm carro e os chineses vêm vindo logo atrás. Ou seja, não estão abrindo mão de ter marcas no mercado mundial. Já a tendência brasileira, foi a de abrir mão. Mas acho que no futuro vamos ter de começar a rever os conceitos de produção e ter mais marcas brasileiras no mercado. A Embraer não fabrica produto sob licença porque a marca própria oferece uma vantagem extraordinária: as companhias estrangeiras quando dão licença para produzir, cobram uma espécie de amortização do custo de produção e limitam a produção ao mercado local, pois não querem concorrer com as próprias licenciadas no restante do mundo.

O senhor se sente um privilegiado?
Não sei se privilegiado. No caso da aviação, em particular, a primeira vez que manifestei a minha frustração de que o Brasil não fabricava avião eu tinha 16 anos, na minha terra natal, em Bauru. Era filho de uma família humilde e achava que o Brasil devia fabricar avião. Evidentemente, não tinha a menor idéia de que poderia ser o protagonista deste passo. Mas tinha um sonho de jovem, de que alguma coisa poderia ser modificada. Não sei se era sonho. Talvez fosse mais frustração. E hoje nós conseguimos, a partir de idéias relativamente simples, transformar o Brasil no terceiro maior fabricante de jatos do mundo. Isso é um negócio impressionante, por maior que fosse o sonho, a realidade suplantou. Eu me sinto um privilegiado por ter participado desse processo.

Aonde o senhor situa o grande diferencial para se tornar pivô deste projeto?
Considerando que a minha formação básica foi toda de escola pública, inclusive o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), só tenho palavras de agradecimento ao País por ter me proporcionado isso. Insisto sempre que a educação é o grande diferencial. A China, por exemplo, está produzindo 300 mil engenheiros por ano, enquanto o Brasil não chega a 20 mil – é uma diferença muito grande que precisamos corrigir e caminhar para frente. O caráter de inovação trazido pela educação e a capacidade de transformar as coisas é algo de fundamental importância para o desenvolvimento do País. Então, tudo que discutimos passa por um negócio chamado ser humano. E tem de ser produzido da melhor forma possível, porque o concorrente de cada um de nós, brasileiros, não é o cara que está aqui na esquina. Ele pode estar na África, Ásia ou nos Estados Unidos, porque o mundo hoje é global.

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