(Este assunto me interessa muito, na medida em que meus blogs funcionam muito como caixa de ressonância do que ocorre no mundo da comunicação e do marketing. Consequentemente, interessam aos leitores. De autoria do jornalista e estudioso Carlos Castilho, publicado no sábado, 23/4, no site Observatório da Imprensa.)
A imprensa convencional sempre defendeu com unhas e dentes a propriedade intelectual de artigos e reportagens com base numa argumentação jurídica e filosófica. O copyright seria um direito tão inalienável quanto o da propriedade de uma casa, mas a defesa do princípio raramente foi levada ao terreno econômico.
Esta é a razão que faz o norte-americano Yochai Benkler um personagem tão polêmico no mundo das idéias contemporâneas. Ele argumenta que a cobrança de direitos autorais, no âmbito do jornalismo, além de ser filosoficamente equivocada é financeiramente insignificante, além de solapar as bases econômicas da produção de informações e produtos culturais.
Benkler, um professor de empreendedorismo digital na Universidade Harvard e co-diretor do Centro Berkman para a Internet e Sociedade, estuda há mais de uma década as relações entre o sistema de direitos autorais e a produção intelectual na internet. Há outros pesquisadores trabalhando na mesma área, como também norte-americano Lawrence Lessing, mas Berkler é o único que decidiu pesquisar as conseqüências econômicas da cobrança de direitos autorais, em áreas como, por exemplo, o jornalismo.
Em seu livro The Wealth of Nertworks, Benkler publicou o resultados de estudos mostrando que a receita de direitos autorais corresponde a umaparcela mínima no faturamento dos jornais norte-americanos. No The New York Times, que é considerado referência mundial em matéria de jornalismo de qualidade, apenas 3% da receita global da empresa é originária da venda de direitos para a reprodução de material jornalístico.
O mesmo acontece com os conglomerados jornalísticos Gannet e Knight Ridder, dois gigantes da indústria de jornais nos Estados Unidos, que, segundo dados citados por Benkler, dependem respectivamente 6% e 3,5% das receitas com venda de direitos autorais. Ele chega a afirmar que se os jornais deixassem de se preocupar com a cobrança de copyright os efeitos sobre a receita globalseriam mínimos[1].
Mas os argumentos mais contundentes a favor da relativização da cobrança de direitos autorais na produção intelectual surgem quando Yochai Benkler faz uma analise econômico-financeira do problema. Segundo ele, o copyrightfunciona como um freio no processo de aceleração das inovações porque aumenta os custos no desenvolvimento de novos produtos e serviços.
Benkler desenvolveu um modelo econômico formado por 10 empresas produtoras de softwares, em que duas viveriam exclusivamente da venda de direitos de uso, seis dependem parcialmente, como no caso dos jornais, e duas não têm fins lucrativos. Todas elas produzem cinco softwares por mês, com uma produção global de 50 unidades.
Caso fosse implantada uma nova lei elevando em 10% a cobrança compulsória de direitos autorais, as duas empresas que dependem integralmente do copyright teriam um aumento de 10% no seu faturamento, o que reverteria num aumento da produção para 11 unidades mensais. Mas em compensação, as oito outras empresas teriam um aumento de custos da ordem de 10%, porque teriam que pagar mais pelos insumos intelectuais. Isto provocaria uma queda de 10% na produção para manter o equilíbrio orçamentário, significando uma redução de 40 para 36 unidades produzidas.
No total, a produção das 10 empresas cairia de 50 cópias de software para 37, mostrando o efeito negativo da cobrança de direitos sobre a produção como um todo, segundo o raciocínio econômico financeiro desenvolvido por Benkler, a partir do modelo teórico que ele montou.
No caso da imprensa, a retórica sobre a cobrança fica ainda mais enfraquecida quando se sabe que a produção de notícias é um processo contínuo de recombinação ou remixagem de informações. Cobrar por todas as informações simplesmente inviabilizaria o negócio jornalístico.
A questão da cobrança de direitos ganha um significado especial ao ser inserida no contexto da polêmica sobre cobrança de acesso às notícias online. A informação é um bem intangível com custo marginal zero (não é jargão de economistas), ou seja, não há custo para eu fazer uma cópia do conteúdo deste artigo que você está lendo. O custo que existe é o da reprodução em papel, na web ou por áudio, por exemplo.
Na verdade você paga muito pouco pela notícia que lê no jornal, pois mais de 90% do custo vai para o papel e para transporte até a banca. Como a web reduziu enormemente o custo para levar a notícia até você, todo o modelo de negócios dos jornais entrou em crise. Eles querem agora atribuir um valor à informação, ignorando o fato de que ela tem custo marginal zero, conforme as leis da economia.
É um tema complexo, mas que precisa ser debatido, especialmente pelos jornalistas, porque ele afeta a matéria prima com a qual trabalhamos e vai determinar a forma como vamos sobreviver economicamente no futuro. Este texto está longe de procurar esgotar o assunto. É apenas um início de conversa.
[1] Ver página 40 na edição paperback do livro The Wealth of Networks, 2006 , Yale University Press.