Autor convidado:Cláudio Dias, COO e sócio-fundador do Magis5
Uma das maiores estatais do Brasil está prestes a ser privatizada, e deixando questões políticas à parte, vale pensar nos impactos que esta medida pode trazer para o consumidor. Apesar de polêmico, este é um tema de vital importância para todo o ecossistema de vendas online, já que estamos falando do principal pilar do comércio eletrônico brasileiro.
É preciso deixar claro que os Correios não têm monopólio na entrega de encomendas e concorre diretamente com inúmeras empresas privadas. O Mercado Livre, por exemplo, que é um dos maiores marketplaces do mercado, está criando seus próprios centros de distribuição e investindo em frota própria, que contempla a aquisição de um avião para uso exclusivo da sua logística.
Os Correios contam hoje com mais de 100 mil funcionários, alcançam mais de 5,5 mil municípios brasileiros, é o maior operador logístico da América Latina e um dos maiores do mundo. Por isso, neste momento, é seguro dizer que não existe um concorrente com toda esta capilaridade. Outro fato importante é que os Correios, ao contrário do que muitos imaginam, não vêm dando prejuízo nos últimos anos.
A estatal é amada e odiada por muitos brasileiros, afinal de contas possui os preços mais competitivos do mercado e sua cobertura abrange todo o território nacional, em regiões de pouco interesse das empresas privadas. Diversas transportadoras subcontratam os Correios para fazer a entrega no trecho final de seus destinatários, principalmente em áreas mais afastadas.
Entre os 5.571 municípios brasileiros, somente cerca de 200 deles geram lucros na operação de logística, e todo o restante dá prejuízo. O questionamento imprescindível que fica é: será que uma empresa privada assumiria essa operação de forma que garanta o recebimento das entregas nesses locais? Afinal de contas, isso significa que 95% de sua operação não é lucrativa, porém, democrática e de necessidade pública.
Alguns marketplaces, como Mercado Livre, Magazine Luiza, B2W e Via Varejo, vêm investindo fortemente em alternativas para o envio de seus produtos, muita das vezes utilizando o fulfillment (armazenamento e entrega dos produtos), como o Mercado Envios Full. Essas são excelentes estratégias que visam diminuir o tempo de entrega e agregar valor ao lojista e ao cliente final.
Os Estados Unidos, símbolo do capitalismo mundial, possuem a United States Postal Service (USPS), fundada em 1975 e que, atualmente, tem mais de 600 mil funcionários e é a única empresa de entregas a oferecer os serviços em todos os pontos do país. O principal motivo para que o país norte-americano não tenha privatizado completamente o serviço postal é a questão da segurança nas comunicações militares e, provavelmente, este será um dos argumentos mais fortes de defesa entre aqueles que se opõem à ideia da privatização.
Outros países continentais, como Rússia e Canadá, mantêm seus serviços postais sob tutela do Estado, já que são muito grandes e com áreas de difícil acesso e, por isso, é mais complicado fazer o controle da entrega nas regiões longínquas; e essa é uma outra importante razão para manter um serviço público. Já países como Alemanha, Portugal e Argentina privatizaram seus correios. Na Alemanha, por exemplo, o resultado foi positivo, mas, em Portugal e na Argentina, as coisas não saíram como o esperado e hoje já se discute a Estatização novamente dos serviços.
Caso a privatização não seja bem conduzida, poderá trazer prejuízos enormes para o nosso ecossistema. Isto porque a empresa ganhadora pode se concentrar em melhorar os serviços nos grandes centros e simplesmente não investir em cidades menores, e isso certamente vai limitar o crescimento do e-commerce e da economia nacional.
Outro risco que deve ser mitigado antes da privatização é o que poderá acontecer caso alguns dos gigantes do mercado resolvam entrar na disputa para a compra. A empresa terá em suas mãos um poder extremo em um primeiro momento, podendo usar isto a seu favor, dificultando não apenas o crescimento dos demais players, como também a eventual chegada de novos concorrentes, impondo uma barreira de entrada que não existe hoje.
De acordo com dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), 80% das vendas online estão concentradas em 20% dos municípios brasileiros. Com a privatização, é esperada uma entrega mais rápida e de menor custo ao consumidor, já que as empresas privadas costumam investir mais em tecnologia e automação, enquanto que, para manter a autossuficiência e capacidade de investimentos futuros, seriam necessários, segundo o governo, investimentos da ordem de R$ 2 bilhões ao ano.
Uma possibilidade bastante viável é o desmembramento dos Correios Entrega – que é a parte que lida com os serviços logísticos usados pelos e-commerces – do restante da empresa, que continuaria entregando as partes que são de interesse público e segurança nacional. Dessa forma, não seria necessária uma mudança na Constituição Brasileira e permitiria uma aceleração no processo de privatização. Afinal, entregaria à iniciativa privada o módulo da estatal de maior interesse.
Privatizar os Correios pode ajudar a diminuir os prazos de entrega e a incidência de erros nas entregas; contudo, é necessário garantir que não seja criado um oligopólio no setor, assim como foi feito com as linhas de telefonia no Brasil. Independente do modelo adotado, o governo não irá abandonar seus investimentos nos Correios, isso é um grande engano e falácia. A privatização significa somente a redução do valor investido, pois é necessário que o Estado continue financiando parte da operação logística, assim como é feito com as empresas de ônibus nas cidades.
Sendo assim, caso você já trabalhe com venda online, é importante já se preparar e pesquisar soluções alternativas, para que não seja pego desprevenido nas possíveis alterações nos preços dos fretes. É fundamental estar atento às tendências do mercado e ter uma operação online de e-commerce com múltiplas integrações, para não ser prejudicado por qualquer mudança operacional dos Correios.
No final, a privatização poderá trazer bons resultados para o mercado, mesmo porque existe uma grande tendência de que correspondências se tornem peças de museu em muito pouco tempo. Entretanto, o sucesso desta privatização está diretamente ligado às definições de transição para os próximos cinco anos, evitando que pequenas cidades fiquem privadas deste serviço e que o mercado não se torne refém de um único player.