Quando falamos na quarta revolução industrial e na
transformação digital, de maneira geral nos concentramos nos seus impactos nos
negócios e na reinvenção da TI e do CIO. Mas, está claro que o CIO puramente técnico
está em vias de extinção e cada vez mais exige-se dele um papel mais holístico
e executivo. Tem que ter uma visão 360◦ do contexto e não mais se apegar ao seu
cantinho chamado setor de TI. Portanto, vamos abordar alguns efeitos desta
transformação na sociedade, na educação e em nós, como pessoas. É, sim, um assunto que merece atenção dos CIOs
e CEOs das empresas.
Uma área que será afetada de forma radical é o emprego. O
uso intensivo de computadores destruiu ou praticamente jogou para escanteio profissões
como ascensoristas, datilógrafos, operadores de telefonia e caixas de bancos.
Mesmo profissões de alto conhecimento técnico como navegadores e engenheiros de
voo nas tripulações das aeronaves, deixaram de existir há décadas. É
indiscutível um fato: novas tecnologias mudam a natureza do trabalho. Outras
mudanças aconteceram de forma gradual e não trouxeram impactos sociais muito
grandes, como a transição da agricultura para a sociedade industrial, porque se
diluíram no tempo. A própria revolução industrial, que impactou algumas
profissões no curto prazo, mas criou outras que não existiam, levou décadas
para se firmar. O que vemos com a quarta revolução industrial é que a
velocidade com que acontece (ritmo mais acelerado que outras mudanças
anteriores), amplitude e profundidade, provocando mudanças significativas,
simultaneamente, cria um novo e desafiador cenário. A questão agora é: o ritmo
com que as tecnologias avançam, exponencialmente, destruindo profissões será
superior à capacidade de geração de novas funções? Não existe resposta para
isso ainda. Um exemplo de como novos negócios surgem e se disseminam
rapidamente são os apps ou a “app economy” que, criada em 2008 com abertura da
App Store pela Apple, já está se tornando maior que a
centenária indústria cinematográfica de Hollywood.
A substituição do trabalho pela automação é um desafio que
precisamos enfrentar. O risco potencial é bem real. Recomendo a leitura de um estudo
muito instigante, “The
Future of Employment: How susceptible are Jobs to Computerisation? “, que
aborda o tema, com foco nos EUA, do que podemos chamar de “desemprego
tecnológico”. À medida que os avanços nas tecnologias de “machine learning” e
robótica avançarem, será inevitável a substituição de funções ocupadas por
humanos hoje. Ocupações que consistem de tarefas e procedimentos bem definidos
e repetitivos poderão ser substituídos por algoritmos sofisticados. Como o
custo da computação cai consistentemente ano a ano, torna-se atrativo
economicamente a substituição de pessoas por máquinas. O processo é acelerado
pela reindustrialização nos países ricos, como os EUA, que após perderem suas
fábricas para países de mão de obra barata como a China, começam a trazê-las de
volta, mas de forma totalmente automatizadas. Os empregos da indústria
americana, perdidos pela saída das fábricas, não estão voltando com elas. Quem
está ocupando as funções são os robôs. Este
processo também está ocorrendo na China e já existem diversas fábricas
totalmente automatizadas e cada uma delas emprega pelo menos dez vezes menos
pessoas que as fábricas tradicionais.
O estudo estima que cerca de 47% dos empregos atuais, nos
EUA, estão em risco. Entre estas funções estão motoristas de veículos como
caminhões e táxis, estagiários de advocacia, jornalistas, auditores, desenvolvedores
de software, administradores de sistemas de computação, etc.
Isso nos leva a questionar que capacitações precisaremos
para o futuro. Basicamente as funções que estão, em princípio, relativamente
imunes a destruição são aquelas que envolvem habilidades sociais, artísticas e
criativas. Em negócios, as que exigem decisões baseadas em incertezas e
desenvolvimento de inovação e novas ideias. De maneira geral as empresas ainda
não estão se preparando para este futuro breve. Recomendo a leitura do
relatório “The
Future of Jobs: Employment, Skills and Workforce Strategy for the Fourth Industrial
Revolution“, publicado pelo World Economic Forum. O relatório mostra
claramente que os próximos cinco a dez anos serão críticos em relação à
transição. Empresas e países que não conseguirem se adaptar, correrão sérios
riscos de ficarem para trás ou terem consequências econômicas sérias. Ao lado
das funções que desaparecerão, outras novas serão criadas, com perfil diferente
das atuais. Além disso, o tempo médio de validade das capacitações tende a
diminuir sensivelmente, assim como serão estabelecidas novas relações entre
empresas e pessoas. As bases das regulações trabalhistas, criadas em plena
sociedade industrial, onde a longevidade ne empresa era um prêmio, mudará
rapidamente.
A economia compartilhada vai mudar em muito este
relacionamento, e sugiro dar uma olhada no artigo “Uber’s
Business Model Could Change Your Work“. No fundo, surge uma nova classe de
trabalho: você não é empresário nem trabalha para uma empresa só, mas para
várias. Um exemplo nos EUA: uma pessoa poderá ser motorista do Uber, alugar
parte de sua residência pelo Airbnb, e fazer alguns trabalhos pelo Taskrabitt. Parece heresia, mas o fato é
que a quarta revolução industrial vai, realmente, mudar muitos dos conceitos,
práticas e hábitos que adotamos até hoje. A leitura do relatório “The
future of work: A journey to 2022” publicado pela PwC ajuda a entender os
desafios que temos pela frente. Um estudo do Gallup põe mais lenha na fogueira
quando afirma, que mundialmente, apenas
um em cada oito funcionários está realmente engajado com seu trabalho e com
sua empresa. Como agradar um cliente, cada vez mais empoderado e exigente com
este baixo nível de engajamento?
É muito difícil e arriscado fazer previsões, pois geralmente
nos apegamos a ideias arraigadas, que nos impede de ter uma visão mais ampla e
aberta de um cenário futuro. Quando Thomas Watson, presidente da IBM disse em
1943 “I think there is a world market for maybe five computers”, fazia todo o
sentido na época. Hoje parece ridículo, mas era impossível, em meados da década
de 40 do século 20, imaginar a criação de transistores, desktops e smartphones
que mudaram totalmente o contexto. Os smartphones são computadores de bolso e
seu número já está na casa dos bilhões. Além disso, com a velocidade da
evolução tecnológica e a convergência de várias tecnologias, olhar alguns anos
à frente é extremamente incerto. Para termos uma ideia, usando a famosa lei de
Moore, até 2025 teremos pelos menos 7 ciclos de evolução. Isto implica que a
capacidade computacional em 10 anos se multiplicará por 128 vezes. Imaginem o
que é ter no bolso, daqui a meros dez anos, um smartphone 128 vezes mais
poderoso que o mais recente atualmente. Convergindo tecnologias, as coisas
ficam realmente disruptivas. Por exemplo, se pegarmos dispositivos vestíveis,
plataformas sociais, disseminação da Internet, “machine learning” e
nanosensores teremos uma disrupção no setor de saúde.
Para este novo mundo, temos que dar um reboot em muita
coisa. Começando pela educação. Nosso sistema escolar foi construído para a
sociedade industrial e não está preparada para a formação profissional exigida
pela quarta revolução industrial. O modelo atual é caracterizado por módulos
padrões de aprendizado que cada aluno tem que percorrer, no mesmo período.
Similar a uma linha de produção de uma fábrica. Inovação é combatida e as
disciplinas atuais formam profissões que irão desaparecer um uma ou duas
décadas. Porque os alunos não podem
escolher seus próprios caminhos? Por que não conjugar conhecimentos de
computação, artes, música, não como assuntos totalmente separados, mas
relacionados entre si? Estas experiências na Nova Zelândia e na Suécia são estudos de caso a serem
observados de perto.
O mundo dos negócios também vai ter que ser reinventado. De
maneira geral de 20% a 30% do headcount de uma empresa estão em funções de administração
e gerencia. Mas este modelo, de comando e controle, tipicamente hierárquico,
deixa de ser necessário com novas tecnologias e novos modelos organizacionais,
com empresas estruturadas em rede e modeladas para serem exponenciais. Algumas
primeiras experiências como a da empresa americana Zappos, com o modelo holacrático,
devem ser observadas de perto. Os próprios modelos de negócio atuais começam a
ser questionados. Já vemos investidores começando a sair do setor hoteleiro, como
consequência do surgimento de disrupções como o Airbnb, que já responde por
5,4% das ofertas de quartos nos EUA e que deve chegar a 14% até 2020. O valor
de mercado do Airbnb já é de 24 bilhões de dólares, ultrapassando
redes tradicionais como Marriott. Mesmo em setores conservadores, como o
elétrico, as disrupções estão a vista. O estudo “Disruptive
Challenges: Financial Implications and Strategic Responses to a Changing Retail
Electric Business” mostra que nenhum, absolutamente nenhum setor, ficará
imune as disrupções causadas pela revolução tecnológica. A ameaça? A
transformação do consumidor em prosumidor, ou seja, ele consome, mas também
vende a energia produzida por ele mesmo, por tecnologias alternativas como
painéis solares.
A mudança disruptiva já é uma condição do mundo atual. O
importante é pensar em como manter algum tipo de estabilidade dentro deste
contexto. Como manter a identidade da organização quando tudo muda o tempo
todo?
Uma sugestão é abrir espaço para experimentações e buscar
inovação, buscando parcerias com startups, o que cria um novo ecossistema de
fornecedores e parceiros, diferente do que as empresas e os CIOs estão
acostumados. Um ambiente ágil e dinâmico exige um novo modelo mental e um novo
modelo organizacional. O modelo mental passa de linear para exponencial. Não é
fácil escapar do pensamento linear! E a tradicional estrutura hierárquica e
rígida entra em colapso. O desafio para as empresas pré-Internet é criar o
futuro enquanto lidam com o seu legado. As nascidas no mundo pós-Internet não têm
este problema. Foram criadas com um novo DNA.
As mudanças vão acontecer muito mais rápido que pensamos. O
sucesso nesta jornada, inevitável, sob risco de desaparecimento do próprio
negócio, depende menos das tecnologias em si, mas muito mais da capacidade das
empresas e seus executivos compreenderem sua amplitude, e o desafio de
implementarem suas estratégias digitais em tempo hábil. Portanto, aja como um
disruptor, antes que outro o seja. Pense que seu negócio estabelecido há
dezenas de anos não garantirá sua sobrevivência nos próximos dez anos. E faça a
disrupção no seu negócio antes que outro o façam. A sua indústria de hoje muito
provavelmente não será a mesma de amanhã.