Passaram-se mais de dois anos da chegada do Decreto
6523, mas nada mudou! E são os números do fechamento de 2010 do Procon que
comprovam isso, embora eu faça algumas ressalvas a eles por conta da enorme vazão
de consumidores que buscam seus direitos nas redes sociais e que não aparecem
em nenhuma estatística oficial.
Ano após ano, os mesmos setores aparecem no
ranking de reclamações: saúde, telecomunicações e bancos. Era assim antes do
Decreto, continua assim depois dele e continuará assim por muitos e muitos
anos, se esse teatro de faz de conta com os consumidores não acabar.
O que me causa estranheza é que o Decreto foi
aplicado exclusivamente sobre empresas já reguladas pelo governo federal, monitoradas
pelas chamadas agências reguladoras (ANS, Anatel etc). Um decreto,
sobrepondo-se aos padrões das agências reguladores, atestou a sua incompetência
em garantir o respeito ao consumidor. Apesar disso, essas organizações
continuam lá, firmes e fortes, na defesa dos interesses dessas mesmas empresas
que nos atendem mal, mas às nossas custas. Nós pagamos para elas fazerem de
conta que estão ao nosso lado, mas não se enganem.
Eu não conheço em pormenores os mecanismos de
auditoria da ANS sobre a qualidade do atendimento das empresas de saúde, mas já
conheci de perto o modelo de fiscalização da Anatel. Quem trabalha no piso dos contact centers das empresas de
telecomunicações sabe a realidade de um dia normal de atendimento e a realidade
de um dia de auditoria da Anatel, previamente anunciado e conhecido para que as
empresas adotem todas as contingências possíveis, a fim de mostrar pontualmente
naquele dia um padrão de serviço muito diferente do que usualmente entrega no
restante do mês. Tudo isso com a preocupação de atender melhor o consumidor?! Claro
que não! Quando a Anatel vai auditar as centrais de atendimento das empresas de
telecomunicações, e ela faz isso sistematicamente, só falta perguntar para a
empresa antes de entrar: “Vocês têm certeza de que já posso entrar e que não
vou pegar nada? Já arrumaram tudo direitinho?”.
Infelizmente, estamos hoje em uma
encruzilhada. Os órgãos e associações que existem para defender os consumidores
convivem com determinados interesses que nos deixam meio preocupados se eles conseguem
permanecer fiéis na busca do que é melhor para o consumidor e para a sociedade.
Vamos pegar como exemplo as associações do
setor de telesserviços. Será mesmo que elas batalharam tanto para o decreto não
emplacar, quando vemos hoje que justamente as
empresas de contact center e seus
fornecedores estão entre os poucos privilegiados com esse decreto? Venderam
muitas PAs, aumentaram seus faturamentos … Será que em prol do consumidor
elas brigariam contra os seus próprios interesses?
Há muita coisa que precisa mudar no setor
se, de fato, ele quiser modificar a sua imagem perante a sociedade: o ideal
seria fechar tudo para balanço. Mas isso não adiantaria nada hoje, porque esse
processo seria feito pelas mesmas pessoas que implantaram, alimentaram e
sobrevivem desse modelo até o momento.
A única esperança está na mudança de
mentalidade dos dirigentes das empresas sobre o valor do cliente, mas sem blá
blá blá. Quando isso acontecer de fato, eles irão repensar suas diretrizes,
seus processos e o valor dos profissionais da linha de frente. Mas se eles
continuarem seguindo os padrões históricos, com modelos que tentam se
justificar no baixo custo operacional ou no uso de tecnologia pontual, sem
qualquer preocupação sistêmica, continuaremos na mesma.
Abraço e até a próxima!
Vladimir