(o texto abaixo, de Gilberto Dimenstein, para sua coluna diária na Folha, fala de uma experiência da minha filha, Laura Guimarães. Como bom coruja, permito-me reproduzi-la aqui, apesar de ser um tema claramente “fora de pauta”. Divirtam-se. Ah, quem quiser seguir os microrroteiros diretamente através do twitter é só ir para @nopassodroteiro.)
Cineastas, desenhistas e músicos resolveram entrar na experiência e ilustrar as frases escritas por Laura |
QUANDO ERA MENINA, Laura Guimarães observava, intrigada, pela janela do carro de seu pai, as filas que se formavam nos pontos de ônibus. Por alguma misteriosa razão, ela ficava tentando adivinhar o que aquelas pessoas faziam naqueles lugares. Na sua fantasia infantil, ela inventava histórias, imaginando as vidas e os roteiros daquelas pessoas. “Nunca descobri por que eu tinha aquela fixação.”
Na adolescência, virou também mais um dos personagens daquelas filas, mas a lembrança da mania dos tempos de criança só voltou à sua memória quando escolheu exatamente os pontos de ônibus para contar histórias-estas nascidas a partir de suas andanças pelas ruas da cidade e convertidas em criação coletiva no Twitter.
Depois de estudar teatro, Laura cursou cinema na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado). Não se envolveu mais nos palcos nem nas telas para ganhar a vida: já na faculdade, pagava a mensalidade trabalhando como redatora em agências de publicidade e, depois, com produção de conteúdo para projetos digitais. “Gostava muito, quando estava na faculdade, de fazer roteiros para cinema.”
Escrever cenas de roteiro transformou-se num passatempo clandestino. Registrava as ideias num caderno, enquanto andava pela cidade. “Tirava das ruas minha fonte de inspiração.”
As frases começaram a sair da clandestinidade por causa da descoberta do Twitter e, assim, nasceu uma experiência batizada de Roteiro da Cidade.
No ano passado, apenas para brincar, resolveu fazer microrroteiros com 140 caracteres. “Nem sei se podia chamar aquilo de roteiro.” Aliás, até escrever as frases, não sabia nem mesmo o que era o Twitter.
Postava no Twitter, então, fragmentos de roteiros. Um deles, intitulado “Nunca Trairia Seu Marido”, era o seguinte: “Faltava coragem. Mas não abria mão do ritual de pendurar as calcinhas pra fora da janela enquanto o vizinho a observava”. Com o título “Hora do Rush”, ela escreveu o seguinte: “Você gosta de samba?, perguntava o cobrador, chamando os passageiros pra formar uma roda junto à catraca”.
Laura percebeu que essas cenas poderiam ser um ponto de partida para uma criação coletiva e fazer da cidade um imenso roteiro cinematográfico.
Cineastas amadores, cartunistas, desenhistas e até músicos resolveram entrar na experiência e ilustraram as frases, enviando o material para a publicação numa página da internet(www.nopassodoroteiro.blogspot.com). Ela viu, então, como seus microrroteiros ganhavam vida. Mas continuavam quase no anonimato total.
Foi aí que buscou a plateia nos pontos de ônibus, onde começou a colar seus roteiros e atrair a atenção imediata de olhos curiosos. A autora acabou virando um personagem misterioso entre aquelas pessoas que ficam à espera de alguma coisa na fila, cujos destinos tanto causavam curiosidade na menina que olhava pelo vidro do carro.