Autor: Marvio Portela
Uma vez, acompanhei a apresentação de um executivo de uma fabricante de telefones, que argumentava que um aparelho perfeito deveria oferecer um botão para cada funcionalidade: um para ajustar o volume, outro para tirar fotos, um para atender chamadas e daí em diante.
No mesmo evento, ouvi de um representante da Apple que a perfeição em termos móveis significava um dispositivo tão simples que nada precisaria ser removido. Avançando alguns anos, o primeiro fabricante do qual ouvi falar está à beira da morte e o valor de mercado da Apple acaba de chegar a US$ 1 trilhão.
Enquanto pensava sobre simplicidade, também percebi que muitos dos maiores problemas do mundo corporativo – como a dificuldade em atingir um melhor time to market – é frequentemente causado por uma falha em enxergar o valor das coisas simples.
Diariamente, reviso e discuto estratégias extremamente complexas que abrangem centenas de variáveis, acompanhadas de cerca de 100 slides. Quando os autores desses planos elaborados são questionados, todos percebem que eles eram equivalentes a uma linda e sofisticada aeronave, mas sem nenhum lugar para pousar.
Muitas vezes, percebo que as pessoas se perdem completamente nas fases de planejamento de um projeto, o que simplesmente não evolui. Meu palpite é que tais cenários são causados por uma vontade de entregar algo perfeito em vez de um plano simples, mas executável.
O que as pessoas precisam entender é que simplicidade não é sinônimo de incompletude. De fato, a simplicidade é, muitas vezes, a completude de que precisamos: as coisas se tornam mais fáceis de usar e entender – e não é uma coincidência que elas também causem menos problemas.
Quando as pessoas tentam e entregam algo muito complicado, elas também deixam de considerar os custos não financeiros envolvidos na geração desses planos, ou seja, o tempo – recurso mais valioso de todos.
Para ilustrar os perigos de insistir na complexidade, as maiores startups de hoje podem ser comparadas a pequenas formigas que oferecem soluções simples para problemas reais, comendo lentamente o piquenique das grandes, lentas e complicadas organizações.
No entanto, agir da mesma forma que a concorrência também pode ser um problema. Aqui, a vontade de fazer coisas complexas é agravada pela pressão para se criar coisas inspiradoras. Isso é particularmente verdadeiro entre as forças de trabalho da geração millenium e, mais ainda, quando elas são inseridas em uma empresa considerada “tradicional”.
Em uma conversa recente com uma colega da geração Y, perguntei sua opinião sobre uma montadora que não tem hoje uma opção de carro elétrico disponível. Ela disse o que eu esperava: que esta empresa não estava evoluindo com o tempo e logo seria deixada para trás.
Então argumentei: O que você diria de uma empresa como a Porsche, que tem um plano voltado para o carro elétrico, mas que ainda não oferece esse produto? Você diria que o Cayenne, o 911 ou o Panamera não são ótimos carros, que muitos gostariam de dirigir?
Só porque a Porsche não é uma montadora nascida para responder às novas demandas de consumo, como a Tesla, isso não a torna menos digna. Na verdade, empresas como ela são líderes em muitos aspectos de sua indústria e continuarão sendo muito atraentes para os consumidores durante muitos anos. E assim como a Porsche, as empresas líderes manterão seus valores e o que fazem de melhor para continuarem tomando boas decisões, em vez de adotarem novos jargões e seguirem cada novidade no mundo dos negócios.
Além de nos concentrarmos no que somos bons, precisamos traduzir nossa excelência em projetos simples. Em vez de gastar muitos recursos em projetos e estratégias, devemos nos concentrar no que fazemos. Além disso, os planos devem ser transmitidos para a equipe de forma aceitável.
Eu gosto de usar a analogia de que, se na mesa de jantar você não conseguir resumir seu plano ao seu parceiro ou amigo – que não trabalha em sua área -, alguma coisa deve estar errada. Embora eu não tenha a intenção de estragar seu jantar, sugerindo que você faça uma experiência com seus entes queridos, espero que você concorde que, com frequência, menos pode ser mais.
Marvio Portela é vice-presidente do SAS América Latina.