A criança interior do consumidor

Autor: Renan Cola
 
Outubro é o mês das crianças e não há nenhuma novidade nisso. E, assim como acontece todos os anos, até o fatídico dia 12, o mercado passa a ofertar uma série de produtos e serviços para encantar os adultos-mirins. É youtuber dando “dicas” patrocinadas na internet, vinhetas coloridamente fantásticas na telinha, assim como vitrines miméticas da Disneylândia.
Entretanto, se o dono do cartão de crédito é você, por que continua comprando tanto? “Meu filho não para de fazer escândalo até que eu dê aquilo que ele quer”, “prefiro comprar e ter, pelo menos, um mês de sossego” ou “se tenho condições para comprar aquilo que não tive, então, por que não vou fazê-lo?” são as justificativas dadas pelos crescidinhos de plantão.
Mas, será que há quem compre este discurso? Para o especialista em psicologia aplicada à mercadologia e autor do livro “Hábitos de Consumo: Habit – O Comportamento do Consumidor que a Maioria dos Profissionais de Marketing Ignora”, Neale Martin, tudo não passa de uma “peça” pregada pela mente inconsciente, encarregada por 95% das nossas atitudes.
Na visão do autor, esta área da estrutura cerebral permite que possamos andar, respirar e fazer uma série de outras atividades cotidianas sem que tenhamos que direcionar esforços racionais para desempenhá-las. É esta região que também carrega a herança dos nossos antepassados, com todos os hábitos, símbolos e inscrições apreendidas ao longo dos séculos.
E por que não falar dos sentimentos que não damos conta de lidar? Se temos dificuldade de aceitar o ódio que detemos por algum familiar, jogamos para o inconsciente. Estamos passando por um forte momento de estresse no trabalho, melhor fingir que não vimos e esconder o acontecimento em um lugar guardado a sete chaves e pronto. Tudo resolvido.
Em outras palavras, pode-se dizer que o inconsciente é a mente infantil. Mesmo sem querer, ela está sempre emanando para o consciente as expressões linguageiras “quero tudo e quero agora”, “odeio esperar”, “é tudo ou nada”, “sou o dono do mundo”, “descarte o que não traz prazer”, “não me faça passar privação”, “se não tiver o que quero, farei pirraça” e por aí vai.
E o que isso tudo tem a ver com o Dia das Crianças? Sabe aquele presente que o seu filho tanto implorou para ter? Na verdade, o que estava em voga fora a sua própria criança interior advinda da mente inconsciente. É ela que, se vendo projetada na criança do lado de fora – seu próprio filho -, arruma um subterfúgio para “dobrar o braço” da parte adulta do psiquismo.
No final, tudo não passa de uma sala espelhada em que imagens mentais refratam-se e se identificam para fazer com que você, bebê crescido, não seja capaz de enxergar um palmo na frente do próprio nariz. Felizmente, se os cientistas do marketing já descobriram que a criança desejosa é você, também existem maneiras para domar o temido monstrinho interior.
A primeira delas consiste em ficar de olho nas cores contrastantes. A mente inconsciente aprendeu ao longo da evolução que os tons vibrantes acionam com maior facilidade as memórias e emoções reprimidas no inconsciente. Viu um anúncio muito colorido na web? Atente-se para que cliques e rolagens de mouse não façam de você o “gu-gu-dá-dá” da vez.
Tomar cuidado com o comportamento dos grupos também é importante. Para sobreviver às intempéries ancestrais, a mente primitiva aprendeu que “fazer o que todo mundo faz é sinal de sobrevivência”. Desta forma, preste atenção para não adquirir o que os influencers, ídolos televisionados ou amigos propõem. Pode ser fundamental para assegurar a sua sobriedade.
Está sentindo um “cheirinho” gostoso no ar? É hora de ligar o alerta. Odores muito marcantes na primeira infância como pipoca, chocolate, café, bolo ou pão assando no forno, e variações, fazem com que o seu psicológico fuja temporariamente da realidade e se armazene naquela época onde tudo era mais leve e você era feliz e não sabia.
E o que falar da voz macia que só os vendedores sabem fazer? O inconsciente sempre quer reconstruir as figuras que lhe deram conforto no passado, transferindo e atualizando suas características nas pessoas a sua volta. Lembre-se: se comprar, para você, talvez seja sinônimo de reacender as chamas da esperança, nada fará com que você realmente volte a ser criança.
Renan Cola é psicanalista da “É Freud, viu?”.

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