A lei, ora, a lei…



As elites brasileiras (econômicas e políticas) costumavam, ao menos, respeitar as decisões da Justiça, mesmo quando estas não eram favoráveis aos seus interesses. “Decisão judicial”, dizia-se, “não é para ser discutida, mas para ser cumprida”.

A julgar por recente parecer do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), segundo o qual o mandato dos parlamentares eleitos não pertence a eles, mas às legendas pelas quais concorreram a seus cargos, até mesmo esse excepcional e salutar hábito parece estar, aos poucos, sendo abolido por nossas elites.

Em recentes entrevistas sobre o tema, políticos das mais diversos partidos, principalmente daqueles que fazem parte da coalizão que apóia o governo, dão explicações quase cínicas para tentar justificar a infidelidade partidária, que, infelizmente, já está incorporada ao comportamento dos homens públicos brasileiros.

Ao final de todas elas, insinua-se ingerência de um poder, no caso o Judiciário, sobre o outro, o Legislativo.

Dessa forma, o fato de nada menos do que 36 deputados, eleitos em outubro do ano passado, terem trocado de legenda, antes mesmo da posse, realizada no início de fevereiro, passa a ser visto como menos grave aos olhos da opinião pública.

A verdade é que, se o parecer do TSE tivesse sido acatado, esse grupo de parlamentares “infiéis” teria seus mandatos cassados, convocando-se então outros 36, distribuídos entre as agremiações pelas quais concorreram e foram eleitos.

Como todos sabem esses 36 deputados, abrigados, hoje, sob a legenda do PR, provenientes, em suas maioria, do PSDB, PPS, ex-PFL e de outras siglas menores, formam uma espécie de reserva, com a qual o governo pretende enfrentar eventuais deserções de aliados.

Em outras palavras, o Planalto está “engordando” a sua atual maioria, na Câmara, para, futuramente, não ser colhido de surpresa, por novas e eventuais infidelidades, que, hoje, favorecem o governo. Casuísmo explícito!

Ou seja, nem o próprio governo confia no chamado “rolo compressor” com o qual pretende aprovar as leis de seu interesse.

Acontece que o TSE não criou a fidelidade partidária. Ela já estava definida em lei, embora fosse sistematicamente ignorada. Quando surgem dúvidas sobre a constitucionalidade ou a legitimidade de uma lei eleitoral, o TSE – como foi o caso – deve ser acionado para dar sua opinião e esclarecer a questão.

Já disse, em artigos anteriores, que, em países menos desenvolvidos, e, em geral, de tradição autoritária, as pessoas investidas de poder, em razão de terem sido eleitas ou simplesmente nomeadas, sentem “prazer” em julgar-se acima e fora do alcance da lei.

Daí a expressão, criada por nossos sábios ancestrais, “a lei, ora, a lei”…

Por falar em lei, o governo cismou de criar a TV do Executivo, claro que, como as demais já existentes, TV da Câmara, do Senado, do Judiciário e de algumas assembléias estaduais, financiada com recursos públicos. A desculpa dada pelo presidente Lula é de que ela não será “chapa branca”.

A acreditar-se nas promessas do presidente, a TV do Executivo seria mais uma tevê pública a serviço da educação, da saúde e das boas e nobres causas nacionais.

Será? É só o leitor assistir a algum programa das citadas tevês para concluir que elas exibem programas de interesse mais restrito (meritórios) aliados a outros nem tanto.

Uma sugestão ao presidente Lula: se, realmente, a finalidade da TV do Executivo é a de educar, por que não destinar seus recursos à atual rede de tevês educativas já existentes?

Dessa forma, ela (a TV do Executivo) transformar-se-ia em instrumento de estado (e não de governo) para promover a educação. Além disso, daria o exemplo para as demais (tevês do Senado, da Câmara e do Judiciário) fazerem o mesmo.

Como diziam nossos pais e avós, o bom exemplo deve vir de cima.

Miguel Ignatios é presidente da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB).

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