A valorização do real


A valorização do real frente ao dólar, que vem prejudicando as empresas exportadoras e dificultando a geração de empregos formais no Brasil, tem sido assunto recorrente nos principais meios de comunicação. Como o dólar, em um regime de câmbio flutuante, obedece à lei da oferta e da procura, sua desvalorização se deve ao excesso de oferta em relação à demanda. Em suma: estão sobrando dólares no Brasil.

Mas por que estão sobrando dólares no mercado interno? Segundo alguns analistas, a diferença entre a taxa de juros reais paga no Brasil e aquela paga no resto do mundo tem levado os especuladores internacionais a investirem seus recursos no país, uma vez que aqui obtêm rendimentos bastante superiores àqueles que obteriam no exterior. A culpa, portanto, seria dos juros básicos internos elevados. Uma outra corrente responsabiliza o alto saldo da balança comercial, que estaria inundando o país de dólares. O Brasil estaria sendo vítima da valorização das commodities agrícolas e minerais, importantes produtos de exportação.

A valorização de alguns produtos exportados gera excesso de saldo positivo na balança comercial e aumenta a oferta interna de dólares. Isso acaba desvalorizando o dólar e encarecendo o preço de outros produtos exportados. Para esses analistas, o Brasil estaria sendo vítima da chamada “doença holandesa”.

Para entendermos melhor o fenômeno da valorização do real, devemos observar o comportamento do balanço de pagamentos nos últimos dois anos, que registra todas as transações em moeda estrangeira entre o Brasil e o resto do mundo. Quando o resultado do balanço de pagamentos é positivo, significa que entraram mais dólares no país do que saíram. Quando é negativo, significa que saíram mais dólares do que entraram.

O balanço de pagamentos é composto por dois grandes grupos de conta: o primeiro é o balanço de transações correntes, onde são registrados as transações de bens e mercadorias, o pagamento de serviços executados e o envio e recebimento de recursos entre nacionais residentes no exterior e seu país de origem; o segundo é o balanço financeiro e de capitais, no qual são registrados as transações financeiras, fruto de investimentos diretos, empréstimos e amortizações.

Comparando os resultados do balanço de transações correntes de 2005 com os de 2006, verificamos que não houve grandes alterações de um ano para outro. O saldo da balança comercial (exportações menos importações) cresceu positivamente apenas US$ 1,371 bilhões. O saldo da balança de serviços (onde são registrados o pagamento da dívida externa, os envios de royalties, dividendos entre as empresas, etc.) regrediu US$ 2,576 bilhões. As transferências unilaterais cresceram US$ 748 milhões. O resultado das transações correntes foi reduzido em US$ 456 milhões. Houve menos entrada de dólares em 2006 do que em 2005. O saldo caiu de US$ 13,985 bilhões para US$ 13,528 bilhões. O balanço de transações correntes não foi, portanto, o responsável pelo aumento da oferta de dólares no mercado interno.

Analisemos, então, o comportamento do balanço financeiro e de capitais nos últimos dois anos. A conta investimento direto, que registra os investimentos diretos das empresas brasileiras no exterior e das empresas estrangeiras no Brasil, além dos investimentos intrafirmas, mostra que, embora tenha aumentado o ingresso de investimentos no Brasil, aumentaram muito mais os investimentos brasileiros no exterior. O ingresso de investimentos estrangeiros no Brasil cresceu de US$ 15,066 bilhões para US$ 18,782 bilhões. Os investimentos brasileiros no exterior passaram de US$ 2,517 bilhões para US$ 27,251 bilhões.

O saldo dos investimentos diretos passou de US$ 12,550 bilhões para US$ 8,469 bilhões negativos. Isto é, saíram mais dólares do que entraram em investimentos diretos no Brasil em 2006. Os investimentos diretos, portanto, ajudaram a segurar a queda do dólar e não a desvalorizá-lo.

A conta outros investimentos, que registra principalmente os empréstimos e amortizações dos governos e empresas brasileiros no exterior, e vice-versa, passou de um resultado negativo de US$ 27,521 bilhões, em 2005, para um resultado positivo de US$ 15,872 bilhões, em 2006. Uma diferença de US$ 43,393 bilhões. Isso indica que as empresas e os governos – principalmente o governo federal -, que vinham quitando suas dívidas no exterior, voltaram – principalmente as empresas privadas nacionais – a tomar novos empréstimos.

Como vimos, o principal responsável pelo aumento da oferta interna de dólares no Brasil e sua conseqüente desvalorização é o aumento do volume de empréstimos que as empresas nacionais vêm contraindo no exterior. A internacionalização das empresas nacionais, a queda do risco país, a desvalorização do dólar frente ao real, o baixo risco cambial e, principalmente, a diferença entre as taxas de juros cobradas pelos bancos nacionais e as cobradas pelos bancos no exterior têm incentivado a busca por recursos no mercado internacional.

Para atenuar o problema, o governo pode tomar medidas de desestímulo ao crescimento da dívida externa privada. A redução interna dos juros e a cobrança de alguma tarifa para operações de empréstimo no exterior pode atenuar o problema. O incentivo à importação de máquinas e tecnologia que melhorem a qualidade e o preço dos produtos nacionais no mercado internacional também contribuiria para diminuir as distorções cambiais. No entanto, como a valorização do real deve-se a aspectos positivos da economia brasileira, é necessário tomar muito cuidado para que aquilo que está indo bem não seja prejudicado.

Alcides Leite é coordenador do Centro de Conhecimento Equifax e especialista em políticas públicas e gestão governamental.

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