Artigo: Stella Kochen Susskind
Não é novidade que uma nova dinâmica de consumo tem se estabelecido no Brasil. Os números apontam que a ascensão das classes C e D, face visível da mobilidade social contemporânea, mostra um forte impacto na forma de consumir do brasileiro. Contudo, um olhar mais apurado para o fenômeno socioeconômico revela que a movimentação gerada pelas vendas natalinas deve mostrar a real fragilidade do varejo: o despreparo no que se refere ao atendimento dessa demanda. De modo geral não há investimento contínuo no aprimoramento do atendimento; em especial, a contratação de funcionários temporários agrava o problema, gerando sérios transtornos à imagem da marca. Qual é o real risco que corremos ao atender inadequadamente os consumidores de diferentes classes sociais? Como desenvolver competências comportamentais adequadas na equipe de vendas?
O otimismo que permeia o varejo nacional com relação ao desempenho neste Natal se deve a fatores bastante consistentes: aumento da renda, do índice de emprego formal e do crédito. A estimativa é que os brasileiros gastem R$ 98 bilhões, valor que equivale a R$ 5,2 bilhões a mais do que foi gasto no Natal de 2009. A economia informal, de acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV), também tem colaborado e estima-se que deve superar os R$ 650 bilhões em 2010. Uma pesquisa conduzida pelo Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV) com 35 associados aponta que a expectativa real de crescimento é de 7,8%, sendo que as maiores taxas serão no segmento de bens duráveis como móveis, eletrodomésticos e materiais de construção.
Composta por quase 60 milhões de pessoas, a nova classe C deve desembolsar R$ 381 milhões e pretende, em sua maioria, comprar roupas; a classe D, em contrapartida, pretende gastar com eletroeletrônicos e eletrodomésticos (tevê de plasma, computador e geladeira). A nova classe média – formada pelos integrantes da classe C que ascenderam à B – mostra uma significativa mudança de hábito no consumo brasileiro com o crescimento de gastos com educação, alimentação fora de casa, aquisição de eletrodomésticos e itens de higiene pessoal. As vendas pela internet devem crescer 40% até o final do ano, chegando a R$ 2,3 bilhões.
A expectativa de crescimento do comércio motivou o setor varejista a contratar cerca de 92 mil funcionários temporários para atuar como balconistas, caixas, empacotadores, estoquistas, repositores e fiscais de lojas. De um lado, claro que se trata de uma excelente notícia; de outro, entretanto, trata-se de uma decisão empresarial que multiplicará os equívocos de atendimento. Do lado de dentro do balcão, temos profissionais temporários com pouca experiência e conhecimento sobre os produtos – especialmente os eletroeletrônicos, que demandam uma venda mais demorada e com detalhamento do funcionamento do item. Do lado de fora do balcão, temos brasileiros que estão “estreando” uma nova fase de vida, incorporando novos hábitos de consumo; pessoas que passam a consumir produtos que não faziam parte de suas vidas.
Quando unimos esses protagonistas – vendedores e consumidores -, temos a inexperiência e a pressa em concluir a venda do primeiro frente à pouca familiaridade dos consumidores das classes C e D com aparelhos como celulares e computadores. O desastre é o único resultado possível! Os consumidores das classes C e D demandam um tipo de atendimento mais elaborado e dedicado 100% a dirimir dúvidas; a tornar explícitos contratos como os de telefonia móvel, por exemplo. As classes A e B, por sua vez, pedem um atendimento diferenciado, exclusivo, elegante e sutil. Comum a todas as classes, o desejo de ser positivamente surpreendido; em transformar a experiência de compra em algo extremamente agradável; na realização de um sonho.
Quando abordo a questão de lidar com as particularidades do atendimento, tenho como sugestão investir na “humanização do atendimento”, ou seja, mostrar aos funcionários – temporários ou efetivos – a importância de imprimir a face mais humana possível ao atendimento. No treinamento, devemos insistir para que os preconceitos e pré-julgamentos sejam eliminados. O fato de não ter familiaridade com um computador ou com um aparelho celular moderno não desqualifica o consumidor. O treinamento técnico e para desenvolver competências comportamentais adequadas é a chave para evitar a insatisfação do cliente com a compra.
Muitos empresários enxergam o treinamento como sinônimo de gasto, mas garanto que se trata de um investimento inteligente. Em pesquisas que coordeno com um exército de “clientes secretos” na Shopper Experience, tenho inúmeros relatos de atendimentos equivocados a idosos, crianças, deficientes, homens, mulheres, alta renda, classes C e D. Embora as queixas sejam diferentes, em comum está o desrespeito. As queixas dos consumidores C e D, por exemplo, são exatamente sobre o preconceito sofrido, a falta de informações sobre como ligar e desligar um produto. Em um dos relatos, um consumidor se queixou de ter comprado um computador para o filho e não ter sido informado que para acessar a internet teria que ter telefone. O que pode parecer brincadeira, tornou-se um transtorno na vida do consumidor e do lojista.
Em suma, defendo que o primeiro passo para “humanizar” o atendimento aos clientes deve partir do empresário; do interesse genuíno em atender melhor. Muito se fala da necessidade de ser inovador, de investir no desenvolvimento de produtos e serviços que antecipem as demandas. Na minha percepção, não há nada mais inovador (e atemporal, ao mesmo tempo) do que perceber que o que move o negócio são as pessoas – funcionários, parceiros de negócio e consumidores.
Stella Kochen Susskind é presidente da Shopper Experience.