Como as marcas podem gerar confiança?

Autor: Luciana Piedemonte
Ao pensar no “conceito de confiança” é comum termos em mente imagens de marcas e organizações sólidas, grandes, antigas ou tradicionais, com uma base de usuários grande e leal.
Diante deste panorama, quais foram os primeiros anfitriões do Airbnb que decidiram deixar estranhos em suas casas à noite? Ou os primeiros passageiros da Uber que decidiram ignorar o que as mães lhes disseram e permitiram que um estranho os levasse para casa? O que as marcas disruptivas fazem para gerar confiança no seu público?
Os 3 “is” de confiança: Integridade, identificação e inclusão
A estrutura dos 3 “is” – integridade, identificação e inclusão – é baseada em uma pesquisa global da Kantar TNS sobre como e no que as pessoas confiam em nosso mundo cada vez mais imprevisível. Juntos, esses três princípios trazem um novo “olhar” para a confiança e ao que ela realmente significa atualmente.
Integridade: cumprir o que se promete
A confiança é baseada principalmente em uma percepção de integridade, que é essencialmente sobre fazer o que promete, ser honesto, assumir o controle e recuperá-lo quando as promessas são quebradas. Ao decidir se deve ou não confiar em algo novo, as pessoas procuram sinais de integridade e que podem servir como heurísticas (processos cognitivos empregados em decisões não racionais) confiáveis na ausência de experiências reais.
As marcas têm se apoiado em autoridades, celebridades, influenciadores e experts para transmitir confiança e credibilidade ao público. Mas muitas dessas heurísticas desmoronaram nos últimos tempos. As pessoas estão aprendendo a lidar com múltiplas versões da verdade, seja no mundo das marcas, ciência, notícias e mídia ou política, e tem havido uma erosão nessa forma de construção de confiança.
A integridade continua sendo a base da confiança e as marcas precisam encontrar novas maneiras de mostrá-la. No entanto, em um ambiente em que ela é mais difícil de avaliar, isso já não é mais o suficiente.
Identificação: estabelecer uma conexão
A identificação é uma das mais poderosas fontes de confiança em tempos de incerteza, e é um aspecto que encontramos repetidamente em nossas conversas com pessoas de todo o mundo. Quando os “dados”, a autoridade ou outras fontes racionais de confiança são questionáveis, as pessoas voltam a confiar em suas emoções. Estamos programados a confiar naqueles que são familiares e semelhantes, com quem compartilhamos valores e metas e que estão “no mesmo barco”, que são tão vulneráveis e têm tanto a perder quanto nós.
A identificação é baseada na capacidade de “ver” alguém, ter acesso ao seu verdadeiro e autêntico “eu”, mesmo que esses “eus” não sejam perfeitos. Entre outras coisas, isso significa criar um rosto humano para a marca e apontar um conjunto de valores que ela suporta.
Nossa pesquisa qualitativa mostra que as pessoas apreciam marcas que se posicionam e estão dispostas a “viver seus valores” na maneira como administram seus negócios.
Marcas pequenas e artesanais são geralmente mais fáceis de gerarem identificação se comparadas às grandes corporações anônimas. As pessoas também são mais tolerantes com as pequenas marcas: o pequeno que luta em um mundo de gigantes é visto como “um de nós” e tem “permissão” para cometer erros humanos. Isso torna a questão da identificação mais difícil de lidar para as grandes marcas, porque significa se comportar de maneira aberta, espontânea e autêntica, o que convida à conexão emocional e à confiança, ao mesmo tempo em que carrega o ônus da responsabilidade corporativa e do comportamento correto.
As marcas que passaram de pequenas a grandes são particularmente desafiadas. E ao passar por esse crescimento devem ter consciência do ponto disruptivo que esse novo tamanho as insere, cuja valorização é feita com base em um conjunto diferente de regras.
A ascensão e queda da Uber exemplifica isso claramente. Do pequeno herói que criava viagens acessíveis e renda extra a “pessoas como nós”, a Uber tornou-se uma corporação gigante com a qual ninguém queria identificar-se: acusada por tratamento desumano a motoristas e funcionários, descumprimento de regulação e falta de responsabilidade quanto à segurança dos passageiros. Parte da estratégia de mudança da Uber se concentrou em recuperar o lado humano da marca, na forma de uma promessa pessoal do CEO, bem como colocar seus motoristas como prioridade.
Inclusão: construir um senso de parentesco
Somos programados a confiar naqueles que consideramos parentes, aqueles que fazem parte do nosso “grupo” de alguma forma, seja família, comunidade, país ou mesmo pessoas com valores similares. O mesmo processo de pensamento interno funciona quando se confia em marcas ou organizações. Sentir-se incluído no mundo da marca cria uma experiência de “estar do mesmo lado”, uma maior receptividade às mensagens e uma disposição para perdoar.
Inclusão significa que a marca dá algum controle a seus clientes e pede que eles invistam parte de si mesmos no seu mundo. Nós confiamos em nossos parentes porque eles são uma extensão de nós mesmos, e essa relação seria equivalente a um investimento.
As comunidades de usuários bem-sucedidas são um exemplo desse tipo de inclusão, para as quais as pessoas contribuem por causa de recompensas intrínsecas.
O Airbnb exige que as pessoas passem por um processo de seleção de várias etapas antes de estarem habilitadas a receber um convidado. Ao criar alguns custos de entrada psicológica (necessidade de prova de identificação, cartão de crédito, fotografia), a marca aumenta o valor da inclusão na comunidade e deixa claro que outros membros do Airbnb passaram pelo mesmo processo e, por isso, são tão confiáveis quanto “você”.
Ser um usuário do Airbnb exige investir algo pessoal em cada estágio, desde apresentar-se de maneira atraente a um possível convidado, até escrever uma avaliação no final do processo.
Diante de tudo isso, ao tratar as pessoas como iguais, abrindo mão do controle e convidando a investir algo pessoal, as marcas podem estabelecer um senso de parentesco que gera confiança.
Os profissionais de marketing sempre pensaram a confiança como um resultado de terem cumprido uma tarefa com êxito. Mas neste atual ambiente, em que existe uma crise de confiança, é importante ter uma estratégia proativa para inspirá-la. E os 3 “is” mostram como fazer isso seguindo os princípios simples que fazem um ser humano confiar um no outro.
Luciana Piedemonte é diretora de marca e commerce da Kantar TNS.

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