Autor: Luciana Aguiar e Haroldo Torres
Depois de crescer por quase 10 anos, com breves interrupções como a crise de 2008, o mercado da base da pirâmide no Brasil enfrenta agora um quadro mais complexo do que o verificado no passado recente. Não por acaso, empresas de bens de consumo passaram a sentir a compressão de suas margens, com aumento do preço de matérias primas e migração de consumidores para marcas mais baratas.
Para entender os desafios desse novo cenário, precisamos retomar os fatores que mais influenciam o crescimento dos mercados CDE no passado recente: o aumento do emprego formal, a elevação do salário mínimo, a evolução do preço dos alimentos e o aumento da oferta de crédito.
Muito do forte crescimento da classe C no Brasil pode ser creditado à expansão do emprego formal nos últimos dez anos. O país apresentou um saldo positivo de quase 15 milhões de novos empregos formais contratados entre janeiro de 2000 até julho de 2011, segundo dados do Ministério do Trabalho (Caged). O emprego formal, além de permitir ao trabalhador passar a contar com um fluxo regular de receitas, o permite também ingressar no mundo do crédito, adquirindo bens duráveis.
No próximo ano, porém, o crescimento do emprego tenderá a ser mais modesto. A taxa de desemprego atingiu o ponto mais baixo dos últimos 10 anos. A indústria começou a se desacelerar de modo importante, tanto em função do aperto da taxa de juros, quanto por conta da forte concorrência dos produtos importados estimulados pelo câmbio valorizado. E embora os serviços e o comércio estejam ainda aquecidos, seu dinamismo tenderá a se enfraquecer no futuro próximo em função do desaquecimento econômico.
A evolução do salário mínimo também deu uma contribuição extremamente relevante para o aumento da capacidade de consumo das famílias mais pobres, tendo quase que dobrado em termos reais desde 1995. Mas o salário mínimo subiu apenas 5,1% em 2011, com ajuste inferior à inflação verificada no período. Isso significa que a capacidade de compra das classes DE caiu em termos reais esse ano. E, segundo o Censo 2010, ainda existem 16 milhões de famílias vivendo com um salário mínimo ou menos no país, mais de um quarto do total.
Os preços de alimentos no Brasil evoluíram abaixo da inflação entre 1995 e 2008, influenciados pelo grande dinamismo dos agronegócios no Brasil. Isso permitiu os mais pobres reduzir seu dispêndio com alimentos, o que explica em parte o impressionante crescimento do mercado de bens duráveis no país. Tratou-se de uma conjuntura particularmente feliz para os consumidores da base da pirâmide que, ao mesmo tempo em que viam sua renda aumentada, podiam gastar menos com produtos básicos, ampliando seu leque de consumo ao longo do tempo.
Porém, depois de 2008 esse quadro se inverteu em função do importante aumento do preço das commodities no mercado internacional. Nos últimos dois anos o custo da alimentação cresceu mais do que da inflação e alguns itens extremamente relevantes, como carnes, tiveram aumento muito expressivo. A alimentação tem um peso de 27,8% no orçamento das famílias com renda familiar de até dois salários mínimos, tipicamente das classes D e E, segundo a POF-2009. Para as famílias com renda entre 3 e 6 salários mínimos, tipicamente de classe C, esse peso é de 20,9%.
Em suma, no último ano a base da pirâmide passou a enfrentar um cenário de reajustes salariais mais moderados e elevação do preço de alimentos. Isso significa que essas famílias estão tendo que ajustar sua cesta de compras. Mas os que aumentaram seu leque de itens de consumo terão muita dificuldade de abandonar as novas categorias conquistadas. Por exemplo, os que passaram a consumir carnes e proteínas de modo regular, buscarão cortar o orçamento de outras formas, de maneira a manter o ganho nutricional em sua dieta.
O corte no gasto de consumo se dá, sempre que possível, não pela redução do número de itens consumidos, mas pela migração para itens mais baratos. Por isso, em momentos de aperto do orçamento emerge o fenômeno da migração para marcas mais baratas, de modo a que toda a cesta de consumo existente continue sendo consumida. Outra forma de ajustar o orçamento é deixando de pagar prestações, como os dados de aumento da inadimplência (Serasa) indicaram ao longo de 2011.
De fato, a inadimplência cresceu frente ao aumento da taxa de juros promovido pelo Banco Central até o meio do ano. Isso também se refletiu na redução do número de parcelas e no encarecimento das prestações. Os consumidores mais endividados enfrentam ainda situações dificuldade de quitar suas dívidas, sobretudo aqueles dependentes do cheque especial ou do crédito rotativo do cartão de crédito. E essa dinâmica afeta mais os consumidores de classe C, que – por exemplo – já reduziram seu ímpeto de adquirir novos automóveis.
Se a retração nos mercados de duráveis já pode se sentida, na área de bens não duráveis esse movimento também acontece, mas não tende a ser drástico. Como não houve queda no nível de emprego, o consumidor ainda está relativamente otimista. Além disso, a taxa de juros já começou a cair e a inflação já aponta para tendência de queda no futuro próximo. Em outras palavras, se a crise internacional não implicar uma ruptura, o mais provável é que o mercado CDE esteja apenas passando por um freio de arrumação no Brasil.
No ano que vem, o segmento CDE vai retomar o consumo de modo importante por três razões principais: no contexto da nova legislação, o governo dará um aumento do salário mínimo superior a 14% em 2012; a taxa de juros vai continuar a cair, trazendo redução da inadimplência e estímulo adicional ao consumo; o nível de emprego continuará a crescer, mesmo que de modo mais lento, trazendo oportunidades adicionais para esse consumidor.
Em outras palavras, nesse cenário de aperto temporário, o mais sensato é que as empresas façam ações táticas no mercado CDE, sem comprometer seus planos de expansão futura. Descontos e ações promocionais podem ser importantes para aquelas organizações que não estão dispostas a perder market share. Nos segmentos onde houver oportunidade, as empresas devem oferecer soluções mais baratas para atrair e fidelizar esse consumidor. No médio prazo, o mais provável é observarmos um ritmo importante de crescimento no segundo semestre de 2012.
Haroldo Torres e Luciana Aguiar são sócios diretores da Plano CDE.