Fazer escolhas nem sempre é tarefa fácil. Fazer escolhas que envolvam investimentos materiais e emocionais; necessidades objetivas e desejos subjetivos; imperativos reais e grandes sonhos é missão ainda mais difícil. Mas, afinal, como são tomadas as decisões das mais triviais às mais complexas? Éderson Luiz Piato, especialista em marketing, docente do Departamento de Administração (DAdm) do Centro de Ciências em Gestão e Tecnologia (CCGT) no Campus Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), tem investigado o que os consumidores levam em consideração no momento de adquirir bens e serviços e quais fatores influenciam a escolha final, ou seja, a decisão de compra.
Baseado na literatura de referência das áreas de administração, psicologia, sociologia e marketing, o pesquisador afirma que as ações, decisões e julgamentos pessoais podem ser influenciados pelo tipo de valores considerados dominantes na personalidade dos indivíduos. Assim, a identificação de valores específicos permitiria explicar os motivos que levam as pessoas a tomarem determinadas decisões, inclusive decisões de compra. “Os valores representam as crenças ou conceitos que influenciam os processos de avaliação e de escolha dos indivíduos, no intuito de alcançar comportamentos ou estados desejados; são, portanto, elementos fundamentais para explicar o comportamento de compra das pessoas”, atesta Piato.
Em amplos estudos realizados durante a década de 1990, o renomado pesquisador de psicologia social, Shalom Schwartz, identificou aqueles que, segundo ele, seriam os valores fundamentais norteadores do comportamento humano: poder (status social e prestígio); realização (sucesso); hedonismo (prazer, diversão); estimulação (vida sem rotina, excitante); autodirecionamento (criatividade, curiosidade, liberdade); universalismo (justiça social, igualdade); benevolência (visar o bem-estar das pessoas); tradição (compromisso com questões culturais); conformidade (cortesia, obediência, honradez); e segurança. Para o professor da UFSCar, esses valores são perseguidos pelos indivíduos no momento da compra de bens e serviços e impactam nos processos de avaliação e de escolha pessoais.
Piato explica que, quando os consumidores avaliam um produto por meio de atributos utilitários tangíveis, tendem a julgá-lo por meio de processos racionais e objetivos. Por outro lado, quando a avaliação do produto ocorre por meio de atributos simbólicos, ocorre um julgamento afetivo. “Nessa segunda situação, os valores humanos transpõem os atributos tangíveis no processo de decisão de compra, influenciando diretamente a preferência de consumo”, afirma. Em outras palavras, o que se constata é que durante o processo de decisão de compra a escolha por determinados atributos tangíveis dos produtos é guiada por valores pessoais não racionalizáveis. Ou ainda, o consumidor busca – por meio dos atributos específicos dos produtos – benefícios capazes de levá-lo a um estado desejado futuro de felicidade, sucesso, segurança, poder etc.
Comprando automóveis
Em estudo recente, o pesquisador da UFSCar investigou a estrutura cognitiva de valores dos consumidores de carros da cidade de São Paulo; a ideia foi identificar quais atributos são considerados, os benefícios alcançados e os valores perseguidos pelos compradores de dois modelos de automóveis de uma montadora. A pesquisa visou a descobrir o que realmente influencia o indivíduo na decisão de compra de um automóvel. Durante o trabalho, foram realizadas entrevistas em profundidade com compradores de dois modelos específicos de automóvel (um compacto e outro esportivo) que haviam adquirido o bem há, no máximo, um ano. Os consumidores foram contatados aleatoriamente a partir do cadastro de clientes fornecido pela montadora.
“O processo de coleta, análise e interpretação dos dados seguiu os pressupostos da metodologia Laddering; uma técnica de pesquisa qualitativa utilizada para o estudo da influência de valores no processo de decisão de compra”, explica o pesquisador. A Laddering segue, como base metodológica, a Teoria da Cadeia de Meios-Fim, que pressupõe que o consumidor tenha percepção de atributos, benefícios e valores, relacionados a um produto ou marca. “Na aplicação dessa técnica, é necessário que o entrevistado revele naturalmente as razões para o consumo de determinado bem e, a partir daí, podemos elaborar um mapa hierárquico de valor – fazendo as conexões entre os atributos, benefícios e valores perseguidos pelos consumidores – e entender o que efetivamente está influenciando suas decisões”.
Por meio da análise do mapa hierárquico de valor (MHV), foi possível identificar conexões entre os atributos dos automóveis e os valores pessoais dos compradores. De acordo com o pesquisador, os atributos mais valorizados pelos clientes foram: acabamento interno, câmbio, comandos no volante, conexão bluetooth, controle de tração, design, direção, itens de segurança, motor e tamanho. “Os compradores percebem que esses atributos podem fornecer benefícios como agilidade, conforto material e psicológico, confiança, facilidade de manobras, prazer em dirigir e sensação de modernidade. Conforme observado no mapa hierárquico de valor, estes benefícios esperados pelos consumidores estão relacionados com os seus valores de autodirecionamento, autorrealização, benevolência, estimulação, hedonismo, poder e segurança”, explica ele.
O estudo revelou que, apesar dos dois modelos de carro possuírem atributos com características distintas, os mapas referentes apresentaram três cadeias dominantes com orientações de valor similares. “Foi possível definir que o valor ‘hedonismo’ é o estado mais desejado pelos consumidores entrevistados; valor que tem forte ligação com os atributos design e acabamento interno. Também ficou evidente a ligação entre o atributo ´itens de segurança’ e o valor segurança’. O perfil desses compradores é predominantemente caracterizado por valores individualistas: pela busca do prazer pessoal e preocupação com a própria segurança”, conclui o pesquisador.
Considerando a influência de valores na compra de automóveis, também é possível afirmar que os consumidores identificam traços de sua personalidade com o modelo e a marca do carro. No mesmo sentido, quando o indivíduo se identifica com o bem, ele imediatamente reconhece nele suas características pessoais ou características que almeja, estabelecendo a extensão de si no objeto.
Embora a Laddering seja uma técnica qualitativa que, por natureza, trabalha com amostras relativamente pequenas e inviabiliza generalizações, para Piato os resultados da pesquisa podem e devem ser considerados na elaboração de estratégias que visem projetar novos produtos ou ações de comunicação. “Gerentes de marketing de fabricantes de automóveis, bem como gerentes de concessionárias, precisam se atentar aos elementos valorizados pelo consumidor na relação atributos, consequências e valores. Com isso, podem aprimorar estratégias de marketing e de comunicação, bem como o desenvolvimento de novos modelos”.