Autor: Marcos Gouvêa de Souza
A Libra é a nova criptomoeda anunciada na semana passada pelo Facebook e que conta com uma coalização estrategicamente sustentável de parceiros como Visa, Mastercard, Uber, Spotify, entre outros, e que terá uma empresa global, a Libra Networks, para administrar todo o processo incluindo suas reservas.
De saída, um dos pontos mais interessantes é o arco de alianças arquitetado para a Libra, para além dos 2,23 bilhões de usuários da plataforma do Facebook, que já garante um número importante de parceiros para assegurar a relevância global da proposta, ao invés dos modelos tradicionais de criação de conceitos monosustentados.
É parte da proposta a criação também da Calibra, braço de negócios apoiado na nova criptomoeda, e que deverá ser o elemento de geração efetiva de resultados com essa iniciativa.
Guardadas as devidas cautelas, sua proposta estratégica pode ser entendida como a reprodução, em escala global, do que temos hoje na China com Alipay e WeChat Pay que, de plataforma, ou super app, de pagamento mobile, transformaram-se em algo muito maior já que criaram praticamente um sistema financeiro paralelo desvinculado do sistema bancário tradicional.
Juntos, ambas respondem por 94% de todos os pagamentos móveis feitos na China que supera os US$ 13 trilhões por ano, algo estimado em 60% dos pagamentos totais e, agora avançando para fora da China, acompanhando o fluxo de negócios e turístico dos chineses no mundo.
A diferença fundamental é que as plataformas digitais Alipay e WeChat Pay, dos Ecossistemas Alibaba e Tencent, respectivamente, operam com a moeda local na China e em outros mercados, enquanto que a coalização liderada pelo Facebook cria sua própria criptomoeda e pode usar as diferentes plataformas digitais, incluindo o próprio Facebook, para avançar no seu propósito de se tornar um protagonista global.
Vale lembrar que, na mesma linha, o WhatsApp Payment estava sendo desenvolvido e anunciou em 2017 algo similar, que deveria chegar em breve ao Brasil, ou seja, um recurso de pagamentos P2P – Peer to Peer, que pudesse facilitar a vida dos que pretendiam enviar pagamentos ou fazer transferências entre países.
Com a criptomoeda Libra, pela ambição de sua concepção, estamos na iminência de criação também de um sistema financeiro paralelo supranacional, mais importante que a moeda de diversos países, o que permitiria supor que, no extremo, países com moedas mais fracas pudessem “trocar” suas moedas pela Libra, considerando seu caráter global, conversibilidade e facilidade de uso para transações locais e internacionais. No limite, ameaçando até mesmo o dólar como moeda global.
E no Brasil?
Importante lembrar que o Brasil é o terceiro mercado em número de usuários do Facebook no mundo com 130 milhões pessoas, depois de Índia e Estados Unidos, e o impacto que poderemos ter por aqui será proporcional à adesão que uma criptomoeda e um meio de pagamento móvel se tornem rapidamente relevantes apoiados pelas alianças que sejam criadas.
Esse jogo por aqui mudou dramaticamente nos últimos tempos com as alterações que estão acontecendo nos prazos e condições envolvendo as adquirentes no setor de cartões de crédito e débito. Num dos movimentos mais ousados nesse campo a Rede e o Itaú anunciaram para o segundo semestre o início das operações da Iti, sua nova plataforma de relacionamento com uso das maquininhas e do QR Code.
A perspectiva de avanço da Libra, num primeiro momento com justificativa de uso primário para transações internacionais, fará com que todo o ecossistema de pagamentos, relacionamento, promoção, fidelidade e monitoramento sejam profundamente alterados num futuro muito próximo.
Pelo impacto da proposta e seus desdobramento é evidente que esse movimento despertou sérias preocupações no mercado financeiro global e já suscitou o início de investigações e análises por bancos centrais e a comunidade financeira em geral.
Como nos tempos atuais, disrupção pouca é bobagem, temos à frente um cenário de amplas, profundas e dramáticas transformações por acontecer.
Bem-vinda Libra para abrir novas frentes de oportunidades e, sem dúvida também, muitas ameaças.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral do Grupo GS& Gouvêa de Souza, membro do IDV – Instituto para o Desenvolvimento do Varejo, do IFB – Instituto Foodservice Brasil, presidente do LIDE Comércio e membro do Ebeltoft Group.