Do freguês ao shopper

Autor: Paulo Ancona Lopez

Antigamente era o freguês. Sim, aquele freguês que comprava sempre no mesmo local, atendido pelo mesmo balconista e que tinha seu histórico de compras anotado na caderneta. Isso era uma relação forte, de confiança mútua, de fidelidade e de respeito que regia todo o varejo e não se imaginava que um dia pudesse mudar, pois era suficiente para satisfazer as duas partes que se mantinham satisfeitas com toda aquela simplicidade e cumplicidade. Nenhuma ameaça: nem novos produtos ou concorrentes vorazes e muito menos sistemas e relatórios diários. O balconista conhecia muito bem o perfil, sabia cada desejo, cada necessidade e cada mania de seus fregueses e esse era o verdadeiro valor dessa relação de venda e compra.

Depois, não se falou mais em freguês. A relação foi rompida quando muitas lojas passaram a expor seus produtos, deixar o comprador escolher e levá-los ao caixa. Nesse momento, o freguês deixou de existir. Aquela relação pessoal foi cortada e ele passou a ser reconhecido como cliente. Uma vez anônimo e livre, era preciso cativá-lo de alguma forma. Virou, então, consumidor. Criaram-se os programas de fidelidade, pontos e descontos para os mais fiéis. Inventou-se, ainda, o tapete vermelho e as empresas, que não mais o atendiam olho no olho, passaram a dedicar tempo e recursos ao pós venda, com garantias estendidas, centrais de atendimento, programas de qualidade, serviços de atendimento ao cliente e, cada vez mais, muito marketing e muita propaganda. Economizou-se de um lado e gastou-se em dobro do outro.

Mais livres e com condições cada vez maiores para optar por outras marcas ou pontos de venda, o consumidor aproveitou-se do aumento da concorrência e ofertas e deixou de ser fiel. Experimentou outros produtos e se sentiu descompromissado com seus antigos fornecedores, que cada vez mais ofereciam novidades e condições diferentes, do físico ao on-line. O mundo virou uma aldeia e tornou-se cada vez mais difícil diferenciar marcas e produtos. Um passeio ao shopping nos mostra isso, com honrosas exceções. Atendimentos padronizados, sem respeito à regra número 1 de vendas, que é entender o comprador, seus desejos e necessidades. Perdeu-se a identidade. Nenhum vínculo. Nenhuma relação de confiança. 

Os compradores se transformaram em números e indicadores e as empresas passaram a sentir a necessidade de entendê-los para vencer a crescente e tão competitiva concorrência. Nesse momento, eu e você viramos shoppers, que em uma definição técnica pode ser aquele que simplesmente executa a compra de um produto e não necessariamente é o usuário do produto. O shopper é impactado pelas variáveis de PDV, como preço, sortimento, promoção e exposição dos produtos. O seu estado de espírito no momento da compra é diferente do momento de uso do produto. Trata-se de um ser frio e calculista, que precisa ser melhor conhecido, pois possui centenas de ferramentas na mão para descobrir novos produtos e melhores preços.

Nós, consumidores, estaremos cada vez mais inseridos em um contexto onde a tecnologia e a informação detalhada ditarão as diretrizes dos negócios. Somos  e seremos parte do Big Data, alvo certo e preciso para as empresas. As empresas vendedoras, entretanto, não podem perder seu escopo. Os compradores exigirão um bom atendimento, produtos de qualidade e preços realistas. A forma como fazer isso é um problema das empresas. Os consumidores sempre saberão o que querem independente da tecnologia envolvida.

O “menos”, às vezes, é “mais”, já dizia o Buda!

Paulo Ancona Lopez é diretor da consultoria Vecchi Ancona

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