Luiz Gonzaga Bertelli
A cada nova estatística da educação, aumenta a apreensão dos brasileiros responsáveis e preocupados com os rumos do País num futuro bem próximo. O Censo Escolar da Educação Básica 2005 não quebra e tradição e, entre os dados que reforçam as dúvidas sobre nossas condições para romper o círculo vicioso da desigualdade social, estão os elevados números das matrículas nos cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA), ou seja, das pessoas com mais de 18 anos que voltam à sala de aula para completar os onze anos do ciclo básico, quando não para concluir os oito anos do ensino fundamental.
Oficialmente, a EJA atende quase 2,8 milhões de alunos, muitos dos quais engrossam a categoria dos analfabetos funcionais, isto é, aqueles que, mesmo tendo alguma escolaridade, não conseguem realizar um simples operação aritmética ou compreender um texto básico. Essa, entretanto, é apenas a ponta do perverso iceberg desenhado pela avaliação do desempenho escolar e da absorção de conhecimentos básicos. A soma dos analfabetos puros e funcionais varia, mas, qualquer que seja o total admitido, ela bate na casa de dezenas de milhões, podendo até mesmo corresponder a dois terços da população economicamente ativa (PEA) ou a força de trabalho com que o Brasil pode contar para avançar e melhorar seus indicadores socioeconômicos.
A estreita vinculação entre escolaridade e taxa de desenvolvimento de um país é claramente traduzida num exemplo muito citado nos debates sobre essa questão. Para aqueles que ainda não sabem ou talvez tenham esquecido, vale lembrar a Coréia do Sul, país devastado por uma longa guerra civil que, há trinta anos, registrava a mesma média brasileira de escolarização formal dos trabalhadores: baixíssimos 4,7 anos. Nessa três décadas, fortes investimentos, prioridade nas políticas pública e apoio de toda a sociedade, elevaram esse indicador para doze anos na Coréia do Sul. No Brasil, as várias reformas da educação, a constante troca de nome dos ciclos e a infindável série de promessas que jamais saíram do papel ou dos palanques eleitorais conseguiram trazer a escolaridade dos trabalhadores para meros 5,4%, de acordo com o IBGE.
Introduzindo nesse cenário o conceito da empregabilidade, que ocupa boa parte das discussões sobre o futuro do mundo de trabalho, significando a capacidade de um profissional se manter empregado e ter a carreira protegida de riscos, ganha força a necessidade da permanente atualização, para que o funcionário possa acompanhar as aceleradas mudanças que afetam o ambiente das organizações. Mas, como pedir isso a quem sequer consegue ler e interpretar corretamente o manual de operação de um equipamento moderno?
Na busca de solução para o impasse, especialistas em trabalho começam a incluir um outro fator na equação: a responsabilidade social das empresas, que se traduz num número crescente de ações inclusivas, voltadas predominantemente para a educação. No mundo corporativo, expande-se o número das organizações adeptas do “socialmente responsável”, com projetos que tanto buscam resgatar os jovens e adultos de baixa escolaridade, quanto prevenir o problema no futuro. Nessa última vertente, o CIEE tem um registro importante a comemorar. Nos últimos cinco anos, o número de organizações parceiras na concessão de estágio para estudantes do ensino médio cresceu 55,46% em todo o Brasil. Na capital paulista, a sinalização é ainda mais promissora, com uma taxa 31% acima da média nacional. Por que esse tipo de estágio é particularmente importante no quesito responsabilidade social das empresas? Primeiro, porque beneficia jovens acima de 16 anos, matriculados no ensino médio e, na maioria, pertencentes a famílias menos favorecidas.
Segundo porque, com relação à capacitação para o mercado de trabalho, essa experiência tem se revelado, na avaliação de professores e pais, um forte estímulo para que o estudante adquira mais maturidade e responsabilidade, além de apresentar um melhor desempenho escolar e sentir-se motivado a tentar uma faculdade – o que, seguramente, contribuirá para reduzir, dentro de poucos anos, o contingente dos analfabetos funcionais e para melhorar as condições de empregabilidade de milhares de futuros candidatos a uma vaga no mercado de trabalho.
Finalmente, o estágio do ensino médio tem um valor inestimável, pois é, para milhares de jovens, a única oportunidade de se manter na escola. Acontece que, como alguns estágios são remunerados por uma bolsa-auxílio mensal, essa renda regular evita que os pais sejam obrigados a tirar o filho da escola, para ajudar na manutenção da família. Não é difícil imaginar que tipo de trabalho um jovem menor de 18 anos, sem o ensino médio poderá encontrar. Assim como não é difícil prever a que tipo de riscos ele estará vulnerável, sendo o menor um mergulho na economia informal. O pior deles todos conhecem, bastando para isso ler o noticiário da violência que atinge, em especial, as periferias das grandes cidades.
Luiz Gonzaga Bertelli é presidente executivo do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) e diretor da Fiesp.