Autora: Ana Elisa Moreira Ferreira
Planejando uma viagem, ligo para uma agência e pergunto sobre o pacote para o Chile. “Belo país”, diz o representante, que inicia uma longa descrição de todos os pontos turísticos. Ele começa a partir do Vale de La Luna, em pleno Deserto do Atacama, destacando suas belezas naturais e vai passando por Santiago e sua culinária especial, as vinícolas no caminho de Valparaíso e desce até a Patagônia, citando os Lagos Andinos e, até mesmo, cruza a fronteira, me levando para a Argentina, para esquiar no Cerro Catedral e comer um bom Ojo de Bife em Bariloche. Parece até que já viajei, visto tamanha intensidade de detalhes.
Por algum motivo, acredito que tenha sido a viagem dos sonhos deste vendedor, pois foram mais de 20 minutos de um roteiro completo da viagem dos seus (dele) sonhos. “Talvez tenha ido a sua Lua de Mel”, penso eu, quando ele entra nos detalhes românticos do passeio de Catamarã pelo Lago Nahuel Huapi. A viagem ficou tão gravada em sua memória que até se esqueceu de mim, sua cliente. Fico ansiosa. Ele não sabe com quem vou: se sozinha para tratar de negócios, se numa viagem romântica de aniversário de casamento ou com crianças para conhecer a neve dos Andes. Ele também não sabe por quanto tempo irei: teria eu condição de conhecer toda a extensão do Chile (lembrem-se que é um dos países mais extensos do mundo, com 4.300 quilômetros de longitude) em quatro dias?
Vendedor que não escuta, só fala, está querendo vender a si próprio e não o produto ou serviço que representa. Está ainda menos interessado nas necessidades do cliente, pois não oferece benefícios que atinjam o que este precisa. Esse é um dos grandes problemas na comunicação em vendas e necessita de muita atenção na hora de se criar o estilo de relacionamento com o cliente.
Antes de tudo, é preciso lembrar que o centro não é o vendedor. O centro é o cliente, suas necessidades e sua relação com o produto. Mas muitos representantes tem esse perfil comunicativo egocêntrico. Lógico, consideram-se (e muitos são) a máquina motriz da empresa. É ótimo termos profissionais motivados pela venda, envolvidos em oferecer seus produtos e conquistar novos clientes, com energia de defender aquilo que representam, como o vendedor da agência de turismo, que sabe na ponta da língua tudo sobre o país que quero visitar.
Mas isso não significa que relacionamento com cliente deva se tornar um monólogo, narrando longamente as características do produto, ressaltando o quanto o cliente é leigo no assunto e o quanto está perdendo por não o ter comprado. Cansativo, não é mesmo? O que propomos é que o vendedor conheça primeiro seu perfil e trabalhe suas habilidades de fluência, argumentação, saiba vencer objeções, mas, também, promova uma lapidação de sua Escuta Ativa.
Uma venda é uma negociação. E como o próprio nome diz, é a troca de dados, informações e benefícios que dizem respeito a ambos os lados, para uma tomada de decisão baseada nas perdas (que sejam menores) e ganhos (no intuito de serem maiores). Implica numa comunicação bilateral, como os autores Roger Fisher, William L. Ury e Bruce Patton, dizem no livro Getting to Yes, com foco na decisão conjunta e na busca de um acordo sustentável.
Se a decisão envolve dois lados, a escuta nesse processo é essencial. A questão é a forma como o vendedor escuta nesse momento. Alguns vendedores, opostos ao personagem deste artigo, fazem a análise errada do que é a Escuta Ativa, mantendo-se escutando por muito tempo, calados, inertes, esperando o cliente fazer um grande relato, enquanto ele mesmo, o vendedor, está mais julgando o cliente ou pensando em como contra argumentar, se esquecendo de procurar entender o ponto de vista do cliente. Esse relato é muito rico, pois se a escuta estiver ativa, o vendedor poderá obter dados sobre:
1. O que o cliente está dizendo versus o que ele quer dizer;
2. O que o cliente está dizendo que não quer e quais são seus reais motivos;
3. Entre esses motivos, o vendedor deve identificar se tem argumentos fortes que quebrem o paradigma do cliente;
4. Identificar nas entrelinhas, o que o cliente fala da concorrência e se têm diferenciais para apresentar;
5. Quais foram as frustrações do cliente com experiências anteriores com o seu produto ou similar e se pode garantir que isso não aconteça ao adquirir este produto.
Não é uma escuta passiva, mas de análise do perfil do cliente, de suas necessidades e sobre quais características do produto ou serviço são realmente um diferencial para ele e atenderão essas necessidades. Perguntas também são poderosas. A Escuta Ativa continua durante a negociação quando o vendedor introduz perguntas para compreender melhor o cenário e as escuta buscando indícios do fechamento. Então, para uma melhor comunicação com o cliente no processo da venda:
Faça uma introdução da empresa e de seu posicionamento no mercado, das características do produto e seus benefícios e resultados. Uma introdução simples, mas certeira, convincente.
Passe para a Escuta Ativa do cliente, prestando atenção e analisando os 5 itens que citamos anteriormente;
Introduza perguntas poderosas e intercale com outros dados do seu produto, ou contando cases de sucesso, 1 ou 2, e volte a perguntar!
Se interesse genuinamente pelo cliente, faça-o sentir-se acolhido e que você realmente se interessa em ajuda-lo, sem se esquecer de que isso é uma verdade;
Reflita sempre se a essência do contato com o cliente está em bater sua meta ou oferecer benefícios e resultados para ele? Se o foco estiver nessa segunda atitude, a primeira será uma consequência natural. Pense nos nossos relacionamentos interpessoais e como isso faz toda a diferença: você conversa com um colaborador para ele vender mais ou sentir-se melhor com seu trabalho e, por consequência a produtividade será maior. Com seu filho você conversa para que ele tire boas notas, ou para que desperte o interesse em estudar e aprender? Com seu par amoroso a relação é para contabilizar anos juntos ou agradarem um ao outro e, portanto, terem muitos anos de união? Essa mudança de foco na comunicação faz toda a diferença e em vendas não poderia ser diferente.
Se você atua na área comercial ou gerencia uma equipe de vendas, o ponto inicial é conhecer o perfil comunicativo de cada um dos vendedores e identificar aqueles com perfil mais falante e os mais ouvintes, realizar treinamentos que potencialize o lado menos dominante deste perfil, e orientar a todos que não é nenhuma perda de tempo ouvir o cliente, desde que seja ativamente.
Ana Elisa Moreira Ferreira é diretora da Univoz.