Fisco e contribuinte em harmonia


Leandro Tripodi e Roberto Carlos dos Santos


É sintomático que, no Brasil, a legislação reguladora de impostos seja focada quase sempre no tributo ou na fazenda pública. Isso é fruto da superimportância que se dá ao Estado, como entidade paternal e provedora e, por isso mesmo, dotada de poderes exacerbados.

De fato, como esperar que o cumprimento espontâneo das obrigações, que deve ser o grande objetivo de qualquer lei tributária e da administração de tributos, seja realmente alcançado, se temos um sistema que, em vez de aproximar fisco e contribuinte, consagra a figura do leão tributário, arbitrário e ameaçador, arrogante e prepotente, que intimida o contribuinte ao invés de convidá-lo ao cumprimento de seu dever de cidadão?

No entanto, há uma clara e contemporânea tendência mundial de consolidação de uma perspectiva mais racional e moderna sobre o papel do Estado, que aqui não é defendida com o sentido de menosprezá-lo ou minimizar sua importância, mas de encará-lo como uma entidade que deve retribuições à sociedade civil, prestando-lhe serviços de excelência, pelos tributos que dela extrai para o financiamento.

Um dos expoentes dessa nova visão é o projeto do Código de Defesa do Contribuinte, proposto pelo senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), que tem por objetivo tornar aplicáveis algumas proteções que a Constituição brasileira oferece, ao cidadão, contra arbitrariedades e excessos que contra ele possam ser cometidos. Como tudo o que é avançado, para uma sociedade cujas instituições, de um modo geral, ainda necessitam ser aprimoradas, o projeto do Código se tornou, à época em que foi proposto, vítima de um movimento de resistência liderado por setores que não se deram ao trabalho de procurar entendê-lo.

Hoje, uma vez diminuída a temperatura do debate, deve-se, serenamente, voltar-se a discuti-lo, encarando-o como todas as proposições legislativas o devem ser, sob a égide da técnica jurídica, e se estancando as sangrias setoriais, dados os benefícios que trará a toda a sociedade, uma vez debatido com responsabilidade e compostura.

Esse talvez seja o primeiro passo para que se possa realizar uma grande transformação no Brasil – uma revolução copernicana, para que o cidadão-contribuinte, o pagador de impostos, esteja no centro do sistema tributário. Este, por sua vez, deve ser o suporte de um Estado não perdulário que busque os meios mais justos e menos onerosos para o financiamento de suas funções essenciais – as quais devem ser conservadas, em última análise, para o bem da sociedade, ou reestruturadas, se desse objetivo estiverem se afastando.

O estabelecimento de uma relação tributária mais equilibrada – pelo próprio fato de se fundar em noções de transparência, consciência cívica e cooperação – proporcionará a ampliação do universo de contribuintes. Isso contribuirá para a diluição do esforço de financiamento do Estado, o que irá amenizar o ônus incidente sobre aqueles que optaram pelo caminho legítimo da formalidade. A aproximação entre Estado e cidadão, através do diálogo democrático que tenha por substrato o respeito mútuo, acompanhada, previsivelmente, pelo decréscimo dos custos tributários, será fator de grande atratividade para aqueles que, por diversos motivos, afastaram seus negócios do alcance da lei e do Direito, gerando assim um ciclo positivo de inserção econômica e social.

O Código do Contribuinte, com as alterações que hoje se propõem em busca do equilíbrio, será muito bem-vindo como medida que, sobretudo, irá contribuir para o convívio pacífico e harmonioso entre fisco e contribuinte, consagrando um relacionamento que respeite o Estado de Direito, a Constituição brasileira e o regime democrático.

Leandro Tripodi, 28, e Roberto Carlos dos Santos, 41, são técnicos da Receita Federal filiados ao Sindireceita – Sindicato Nacional dos Técnicos da Receita Federal. (www.sindireceita.org.br)

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