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Franquias e o Código de Defesa do Consumidor

O Brasil desfruta hoje de uma das legislações mais avançadas do mundo sobre relações de consumo: o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Um dos grandes méritos desse diploma é o de reconhecer a hipossuficiência do consumidor diante do fornecedor de produtos ou serviços e, por conseqüência, estabelecer regras que permitam igualar as forças entre eles. A excelente estruturação do sistema de proteção ao consumidor rompeu com diversos paradigmas da legislação nacional, muitos dos quais situados no âmbito das relações contratuais.
As vantagens que essa legislação trouxe ao consumidor fizeram com que sujeitos de relações jurídicas não propriamente consumeristas (normalmente contratuais) pleiteassem em juízo o direito de usufruir dos preceitos do CDC, por estarem em situação de desigualdade na posição contratual. Assim, passou-se a discutir a aplicabilidade desse diploma a situações inicialmente não abrangidas pelo CDC, como, por exemplo, aos contratos de locação, contratos de fiança, contratos de mandato, contratos de crédito educativo e, igualmente, às relações entre franqueador e franqueado.
O contrato de franquia é negócio jurídico pelo qual o franqueador cede ao franqueado o direito de uso da marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços, em regra acompanhados pela transferência provisória e não-exclusiva do know-how administrativo do franqueador.
Habitualmente, o franqueador preestabelece as condições gerais do negócio, retirando em larga escala a possibilidade de modificações substanciais no contrato de franquia oferecido à consulta do potencial franqueado, mas ainda assim permitindo um diálogo sobre determinadas cláusulas, a fim de atribuir ao franqueado maior segurança no desenvolvimento do negócio. Em determinadas circunstâncias, observa-se verdadeira imposição das cláusulas contratuais ao franqueado, sendo-lhe vedado discutir qualquer aspecto do documento. Em qualquer caso, parte-se da idéia de que o franqueador, como detentor do know-how e criador dos padrões do negócio, situa-se em condição jurídica superior à do franqueado. Revela-se, com isso, certa dose de “vulnerabilidade” técnica do franqueado em face do franqueador, que é a principal característica da relação fornecedor-consumidor.
O Superior Tribunal de Justiça, contudo, não tem atribuído a essa vulnerabilidade prestígio suficiente a ensejar a extensão dos preceitos de defesa do consumidor ao franqueado. A aplicação do CDC aos contratos de franquia tem sido afastada fundamentalmente por duas razões: (I) o franqueado não se enquadra no conceito de consumidor; (II) a vulnerabilidade não se caracteriza quando a lei define obrigações ao franqueador para a concessão da franquia. Deve-se concordar que o vínculo empresarial que reveste a relação entre franqueador-franqueado denota características diferentes daquela formada na relação fornecedor-consumidor; assim também, que o vigente Código Civil seguiu a trilha do diploma consumerista, ao consagrar a limitação da liberdade de contratar à função social do contrato, à obrigatoriedade da observância dos princípios da boa-fé na celebração e no cumprimento do contrato, à interpretação mais favorável ao aderente das cláusulas de contrato de adesão e ao impedimento de o contrato de adesão estabelecer renúncia antecipada a direitos do aderente, resultantes da natureza do negócio.
A evolução do Código Civil na regulamentação dos contratos, com a introdução de princípios básicos de boa-fé e lealdade aos contratantes, e a existência de legislação específica sobre franquia (Lei n. 8.955/94) mostram-se, na maioria dos casos, suficientes para resguardar o interesse legítimo dos contratantes. Disso resulta a desnecessidade de aplicação do CDC para que se aproximem as posições entre franqueador e franqueado. Não se descarta, todavia, utilizar o CDC como paradigma da extensão de determinados princípios encontrados no Código Civil, pelo maior grau de detalhamento encontrado na legislação consumerista, o que não representa a aplicação desse diploma a relações eminentemente empresariais.
O franqueado que pretenda ingressar em uma rede de franquia dever estar consciente de que o contrato a ser assinado representa um negócio jurídico entre empresários. A proteção legal prevista aos contratantes, tanto na celebração quanto no cumprimento do contrato, evita a prática de abusos de parte a parte, mas não torna o contrato de franquia documento vão, sem qualquer relevância jurídica. Ao contrário, a orientação firmada no contrato de franquia há de presidir toda a relação comercial entre as partes, dentro dos limites estabelecidos em lei.
Em conclusão: não se aplicam aos contratos de franquia as regras do CDC; mas nem por isso se terá por lícita qualquer atitude ou cláusula contratual que viole princípios gerais estabelecidos no Código Civil ou que represente abuso do poder econômico em detrimento da parte mais frágil da relação.
Rodrigo Barioni é advogado sócio do escritório Barioni e Carvalho Advogados.

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