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Hora de decisão

O etnólogo francês Pierre Clastres (1934-1977) estabelece em seu livro “A sociedade contra o Estado”, interessante análise sobre a interação da economia e o poder político. Explicita a corrente de pensamento que vincula a lógica de produção orientada para a rentabilidade máxima à figura de um Estado todo poderoso. Refletir sobre essas indagações filosóficas é importante neste momento em que os deuses da globalização conspiram a favor do Brasil, com a abertura de novas possibilidades de exportações, maior ingresso de dinheiro, rentabilidade da bolsa de valores e queda significativa do risco-país. A pergunta inevitável é: a Nação está preparada para acolher e potencializar as oportunidades que lhe batem à porta?
O recente episódio da demissão de Luiz Guilherme Schymura da presidência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), coincidentemente o organismo regulador com imagem mais ligada ao governo anterior, suscita certas dúvidas quanto a um ponto crucial: estaria o País iniciando um caminho de volta no processo de modernização do estado? É lícito indagar sobre isso, considerando o intermitente ataque às agências reguladoras, desde 2003, e o paulatino avanço do confronto com esses organismos, que têm cumprido papel relevante no sentido de tornar o Brasil mais atrativo para os investimentos produtivos. Outros sintomas são relativos a ausência de regras mais claras para os investimentos no futuro próximo. Paira certa dúvida, gerando ceticismo e até o cancelamento do ingresso de capitais para implantação de indústrias, como recentemente noticiou a imprensa.
É preciso lembrar que, durante décadas, um dos principais obstáculos à ampliação dos investimentos no Brasil foi a debilidade da infra-estrutura. O avanço nesse campo foi efetiva contribuição ao desenvolvimento, nos dois governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, materializada num bem-sucedido e transparente programa de desestatização, que aliviou o Estado dos altíssimos custos de construção e manutenção da infra-estrutura, conservando, porém, sua prerrogativa de interceder em defesa dos interesses maiores da sociedade. O equilíbrio entre esta inalienável responsabilidade e a necessária agilidade e eficácia dos serviços e obras de infra-estrutura é viabilizado pelas Agências Reguladoras – organismos dotados de legislação própria e autonomia administrativa. Este, sem dúvida, é um dos itens mais importantes da recente reforma do Estado, relacionada à regulamentação e fiscalização das concessões de bens públicos.
Não se deve retroceder nesse processo, sob risco de as oportunidades atuais, cada vez mais raras na economia contemporânea, dissiparem-se. Por enquanto, a performance da bolsa de valores e o ingresso de capitais estão muito mais ligados a fatores conjunturais do que estruturais. Muito do dinheiro é atraído simplesmente pela remuneração expressiva aqui oferecida. Daí a se materializar um consistente e duradouro fluxo de investimentos produtivos há imensa distância, e um eventual retrocesso na modernização do Estado seria fatal, uma verdadeira pá de cal nas intenções dos investidores.
A fragilização do papel e desqualificação da autonomia das agências reguladoras podem redundar em incertezas e insegurança entre os agentes econômicos, desqualificar os órgãos de interesse público e inibir investimentos, no justo momento em que a economia brasileira tem novas oportunidades. Tudo isso ficou muito claro no seminário “O Poder regulador das agências”, promovido em maio de 2003 pelo Instituto Roberto Simonsen, organismo de estudos avançados da Fiesp. Na oportunidade, especialistas, dirigentes de entidades de classe e empresários foram unânimes em reconhecer a importância da modernização do Estado e o papel das agências para a consolidação da confiança internacional e da posição do Brasil como celeiro de investimentos produtivos no novo século.
É importante considerar, muito além de questões ideológicas e partidárias, que o Brasil avançou nos últimos anos na modernização do setor público baseado em três princípios: nem Estado mínimo, nem máximo, mas sim o necessário para cuidar de tudo aquilo que não pode executar diretamente, mas não deve delegar plenamente; o governo propõe, induz, estimula, torna viável e regulamenta; e o Estado financia a parte que lhe compete e presta contas à sociedade. Esta é a essência de um novo capitalismo, no qual as leis de mercado, normas claras e objetivas, geração de renda e empregos devem ser os verdadeiros paradigmas da socialização dos benefícios da economia. Por isso, É hora de decisão entre este caminho de efetivo e sólido desenvolvimento ou de resignação diante do efeito circunstancial e ilusório dos altos juros na atração de voláteis capitais especulativos.
Ruy Altenfelder, advogado, é presidente do Instituto Roberto Simonsen. Foi secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo (2001/2002).

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