Autor: Claudir Franciatto
Em torno de uma mesa, guerras foram interrompidas, casamentos foram decididos, negócios são fechados, feedbacks constroem carreiras, mal-entendidos são desfeitos, amores são declarados… Enfim, a mesa é, para nós, o dia a dia, o ritual e um arquétipo da existência. Ela edifica conhecimento…sobre o outro. É estranho falar em sentar-se às mesas nestes tempos de reuniões virtuais. Mas, entre um computador e celular e outro, há, simbolicamente, uma imensa mesa em torno da qual estamos sentados e conversando. Seja no mundo físico ou no digital, três elementos significativos jogam um papel crucial na sua capacidade de prosperar em seus projetos pessoais e profissionais: a quantidade de pessoas que você conhece; a qualidade (em todos os aspectos) das mesmas; e se você coloca seu foco primordialmente no transacional ou no relacional.
Da mesma forma que um cliente percebe quando a organização que se tornou sua fornecedora, ou quer se tornar, só tem interesse transacional – no popular, uma empresa interesseira -, o interlocutor sabe bem quando você se senta à mesa com ele tão somente buscando qualquer tipo de vantagem. Em algum lugar da mente da pessoa que está do outro lado da mesa, já houve a percepção de que o seu espírito não é relacional.
Ah, se todos percebessem a importância das mesas! Em 1947, Frank Bettger, um vendedor de seguros, ficou famoso mundialmente, porque escreveu o maior clássico da literatura da área em todos os tempos: Do Fracasso ao Sucesso na Arte de Vender. Ficou rico – em amizades e recursos – trabalhando da forma a mais simples que existe. Antes de pensar em oferecer uma apólice, sentava-se à mesa com o possível comprador e perscrutava tudo sobre sua vida. Seu desejo mais profundo era conhecê-lo e ajudá-lo. Ele sabia que o importante não é o quê você sabe, mas quem você conhece. E batia recordes na comercialização do seu produto.
Outro que enriqueceu, antes mesmo de escrever um livro, foi Joe Girard. Um americano que, nos anos 1970, depois de fracassar com um negócio de madeiras, porque pensava da maneira errada, descobriu a verdade e aceitou recomeçar a vida no fundo de uma loja de automóveis que só o contratou porque ele prometeu fazer o que os outros vendedores, inertes diante de uma crise pontual, não faziam. Antes de mostrar os carros aos visitantes, fazia questão de sentar-se com eles à mesa. Fazia tantas perguntas que os interessados se assustavam de início, porque tudo que eles queriam era ver as alternativas que o estabelecimento oferecia. Mas Joe queria era ajudá-los, de verdade, a realizar um sonho. E se tornava tão íntimo dos visitantes que nascia daqueles encontros um relacionamento. E não um, mas vários automóveis eram adquiridos por ele àquelas famílias ao longo dos anos. Entrou para o Guiness como o recordista em vendas individuais de veículos no varejo. E espalhou pelo mundo seu livro Como vender qualquer coisa a qualquer um.
Agora, os tempos são outros. Podemos nos sentar à mesa com milhares e milhões de pessoas ao mesmo tempo. Toda pesquisa virtual bem feita para descobrir os anseios, sonhos e expectativas dos consumidores já é o início de uma postura relacional. É não estar preocupado em vender, mas em melhorar a vida daquela pessoa e suas famílias.
Agostinho de Hipona, também conhecido como Santo Agostinho, conta, em sua autobiografia, o livro Confissões, uma espécie de parábola significativa. Um homem, passando perto de um rio, notou que havia uma tristeza naquelas águas. O rio estava mesmo amargurado. Perguntou, então, o homem, o que havia acontecido àquela corrente de águas para esse estado de espírito. E o rio explicou que o problema era que Narciso, aquele da mitologia, havia ido embora. E era o único que se debruçava diariamente para contemplar suas águas. Ao que o homem retrucou: “Você está enganado. O objetivo de Narciso era apenas contemplar sua própria imagem”. Entretanto, o rio explicou que, mesmo sabendo isso, aquele era o único momento em que ele próprio podia contemplar a si mesmo refletido nos olhos de Narciso.
Ou seja, muito mais do que mero narcisismo, esse encontro era também de autoconhecimento. Nós nos vemos nos outros e vice-versa. Todo relacionamento leva as pessoas a conhecerem a si mesmas nos outros. É impossível nascer empatia num ser humano que não tem a menor ideia de quem ele mesmo é. E o paradoxo é que, quanto mais você se esforça para sentir a dor e os sonhos do outro, mas você mergulha dentro de si mesmo e, nessa dialética, vão crescendo tanto a empatia quanto o autoconhecimento. É um jogo dinâmico, frenético, frutífero, cheio de vida.
Simon Sinek, autor do best-seller Comece pelo porquê, aponta que o forte vínculo de amizade nem sempre é uma equação balanceada. A amizade nem sempre é dar e receber em partes iguais. Em vez disso, é baseada no sentimento de você saber exatamente quem estará lá quando precisar de algo, não importa o que ou quando. Ao iniciar pelo porquê, na organização, descobrimos ser aquele momento de se sentar à mesa internamente. Descobrir juntos o propósito que nos move. A nossa razão de existir enquanto time, enquanto grupo e enquanto companhia.
Em volta das mesas, entre uma benção e outra de refeições, delícias e deleites, propostas de casamento são feitas, desentendimentos familiares são desfeitos, acordos mutuamente profícuos são estabelecidos…enfim…a mesa é o centro de onde florescem plantios e colheitas.
Pare tudo agora! Sente-se e converse! Deixe o tempo correr porque ou ele volta e te leva junto, ou retorna pra aprender com você o que nasceu daquela conversa. Em todos os momentos da vida, será sempre mais importante quem você conhece do que o aquilo que você sabe.
Claudir Franciatto é jornalista sênior, escritor e colaborador da ClienteSA.