Márcio Meloni
O cooperativismo de crédito brasileiro vive um momento promissor motivado pelas aberturas positivas implantadas pelo governo Lula e pela possibilidade do movimento se fortalecer com a provável criação de uma linha de financiamento pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. O BNDES promete liberar R$ 3,2 bilhões, o que poderá dobrar o patrimônio das cooperativas de crédito que, em dezembro de 2004, era de R$ 2,2 bilhões. O processo, em fase final de avaliação, representa uma virada histórica e vai aumentar a participação do sistema de crédito cooperativo no mercado financeiro, que hoje responde apenas por 1,94% das transações.
A promessa de um financiamento direcionado representa uma oportunidade rara para a capitalização das cooperativas, atualmente alimentadas pelas contribuições dos associados e pelos juros cobrados sobre os empréstimos. Como o sistema não visa lucro, os juros cobrados dos associados, muito abaixo dos índices praticados pelo mercado, não permitem uma expansão rápida e sustentada.
Precisamos recuperar o atraso histórico e ter a chance de mostrar nosso potencial. Após a constituição da primeira cooperativa de crédito brasileira, em 1902, no Sul do país – é centenária e continua operando – , tivemos de esperar 95 anos pela constituição de um Banco Cooperativo. O Bancoob surgiu em 1997 e deu um fôlego novo ao setor, mas sua implantação tardia colocou as cooperativas num papel secundário dentro do sistema bancário. A título de comparação, no Canadá a primeira cooperativa de crédito começou a operar em 1900, quase no mesmo período que sua co-irmã brasileira. Mas lá, diferente daqui, a credibilidade no sistema cooperativista alçou a Cooperativa Desjardins à posição de sexta instituição de crédito do país e primeira da província de Québec.
No caso brasileiro, o governo agiu com tanta “cautela” que o sistema cooperativo de crédito perdeu múltiplas oportunidades de conquistar seu espaço. O movimento só não se extingiu por completo graças a iniciativas de pioneiros e de grandes empresas – muitas multinacionais trouxeram a semente cooperativista -, que ofereceram condições para a constituição de cooperativas de crédito encarregadas de atender seus funcionários.
Mas, algumas concepções errôneas são difíceis de apagar. É o caso da terminologia própria e dos objetivos do sistema. Poucos entendem que uma cooperativa de crédito não tem objetivo de lucro e que o “lucro” é chamado de sobra, que pode ser dividida entre os cooperados ou transformada em capital. Imperando a lógica do sistema financeiro, a cobrança é por resultados, quando o que mais importa para a cooperativa é praticar juros baixos e oferecer recursos para melhorar a qualidade de vida de seus cooperados.
No Estado de São Paulo, operam 205 cooperativas de crédito, que agregam 311.616 cooperados. As sobras de 2004 alcançaram R$ 291 milhões e as cooperativas de crédito urbanas do Estado emprestaram mais de R$ 400 milhões. Esses números mostram o potencial do cooperativismo de crédito. Nada mais justo, portanto, que o governo do presidente Lula – que já se declarou um entusiasta da causa – destine mais recursos ao sistema. O movimento já provou ser a principal alternativa contra a exclusão das pessoas do sistema financeiro. As cooperativas podem assumir o papel de impulsionadoras de microcrédito. A esperança se renova ao ver que há aliados de peso na luta pelo cooperativismo de crédito e acreditamos que este será o ano da virada.
A ONU declarou 2005 o Ano Internacional do Microcrédito. O microfinanciamento está sendo divulgado como a arma para combater a pobreza e a fome no mundo, mudando de forma positiva a vida das pessoas. A Aliança Cooperativista Internacional, órgão máximo de representação do cooperativismo em nível global, reforçou a posição das Nações Unidas, elegendo o microcrédito como tema para as comemorações do 83º Dia Internacional do Cooperativismo, no primeiro sábado de julho.
É uma oportunidade imperdível de mostrar aos brasileiros todo o potencial transformador do sistema – um instrumento efetivo de fomento ao empreendedorismo.
Marcio Meloni é diretor do Ramo Crédito da Ocesp (Organização das Cooperativas do Estado de S. Paulo), presidente da Cred-Copercana e gerente geral da Cocred, de Sertãozinho/SP