A polêmica em torno do bloqueio do site “YouTube”, motivado pela divulgação de imagens da apresentadora Daniella Cicarelli e de seu namorado em uma praia na Espanha, nos coloca diante de um velho dilema: a distância entre o Direito e a tecnologia da informação. Desde a popularização da Internet, dez anos atrás, os operadores do Direito carecem de subsídios técnicos para tratar da questão, ao mesmo tempo em que os técnicos não têm noções de Direito.
Até o momento, não temos Varas nem Câmaras especializadas em tecnologia da informação, tampouco em propriedade industrial, apesar de serem áreas que requerem conhecimentos específicos. Os juízes e os desembargadores dependem de peritos para subsidiarem as decisões, visto que julgam os mais diversos assuntos e não é possível ter conhecimento técnico aprofundado em todas as áreas.
Embora a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tenha sido recebida com hostilidade pelos usuários da Internet, deve-se ressaltar sua importância, inclusive pela repercussão alcançada mundialmente.
As questões ligadas ao direito da tecnologia da informação estão presentes no nosso cotidiano, o que significa que, cedo ou tarde, chegarão ao Judiciário. Prova disso é que cada vez mais os ilícitos eletrônicos têm ocupado as pautas de julgamento e os noticiários de jornais, rádios e emissoras de TV. Sendo assim, torna-se importante a discussão doutrinária, jurisprudencial e até mesmo legislativa em torno do tema.
O “bloqueio” do “YouTube” foi determinado pelo Desembargador Ênio Santarelli, do TJ-SP, gerando várias discussões, inclusive acerca da territorialidade da lei e de decisões judiciais – ou seja, questionar se a justiça brasileira poderia bloquear total ou parcialmente conteúdo de sites hospedados no exterior. Não tenho dúvida de que a decisão foi acertada. Quando se considerar que há ofensa ao direito protegido em nosso território, a Justiça pode impedir que usuários tenham acesso ao conteúdo ilícito.
O bloqueio total se dá por meio do backbone, que é o equipamento que faz a conexão da Internet entre o Brasil e o mundo. Tendo em vista que o objeto da ação refere-se tão somente ao vídeo que exibe cenas de Daniela Cicarelli e do empresário Renato Malzoni Filho, o correto é que seja bloqueado o acesso ao referido conteúdo.
Embora a decisão tal como proferida tenha causado o bloqueio total ao site, o desembargador, acertadamente, proferiu despacho elucidando que a determinação havia sido para que fosse empregado um filtro que impedisse o acesso ao vídeo do casal, indicando que o bloqueio total provavelmente ocorreu por dificuldades técnicas. Também foi determinada a expedição de contra-ordem para desbloquear o site “YouTube” e manteve a determinação da adoção de providências para bloquear o acesso às imagens sem acarretar não interdição do site completo.
Ainda que cumprida a decisão judicial, tal qual proferida, isto não assegura que o vídeo não continue circulando pela Internet, visto que o “YouTube” e outros sites similares permitem que qualquer pessoa divulgue seus vídeos, em qualquer lugar do mundo. O desaparecimento dessas imagens vai depender de uma vigilância mais efetiva do referido site e de outros semelhantes para evitar a violação e a respectiva responsabilização e garantir os direitos dos autores da ação.
Se quiserem, Daniella e seu namorado também podem entrar com uma ação contra quem efetuou a filmagem e contra quem a divulgou. Se há terceiros expondo cenas que violam esse direito à privacidade, eles também podem ser réus nas respectivas ações, respondendo cada um pelos danos que causar, podendo ingressar com pedido de tutela antecipada determinando que o filme não seja exibido, sob pena de multa diária.
Toda essa polêmica pode servir como um incentivo para que os operadores do Direito encontrem alternativas que se enquadrem nesse novo cenário que a internet ocupa na vida das pessoas. A exposição de imagens e vídeos é apenas um dos problemas que a rede permite. Também há demanda para a vigilância e a punição de conteúdos racistas e pornográficos, contra ladrões cibernéticos e até medidas para assegurar a defesa dos consumidores na hora das compras eletrônicas. O debate está apenas começando.
Regina Vendeiro é advogada da área cível da Innocenti Advogados Associados e professora-tutora de Direito da Tecnologia da Informação da FGV Online ([email protected])