Autor: Leonardo Barci
Se você conhece um pouco sobre a história recente de Nova Iorque, sabe que até 1990 a cidade não era tão calma e tranquila quanto refletem os números mais recentes. Embora haja muita discussão sobre o tema, atribui-se boa parcela da queda no número de crimes violentos na cidade, à política de tolerância zero ou política da janela quebrada. Se você não tem referência do que se trata, foi a estratégia utilizada pelo prefeito da época – Rudolph Giuliani – de combater todos os crimes com o mesmo vigor, desde uma janela quebrada até as ações mais violentas.
De alguma maneira, sabemos que este olhar cuidadoso surte algum efeito. Foi o caso do metrô de São Paulo que, desde sua fundação até os dias atuais, segue a política de cuidado extremo com a ordem e limpeza. A fórmula é simples, a correção de algo “fora do lugar” é feita sempre no menor tempo possível pela pessoa mais acessível. Mudanças sistêmicas, isto é, que envolvem diversos atores, porém, não acontecem do dia para a noite. Mesmo o metrô, demorou um bom tempo até que as pessoas reconhecessem que ali dentro havia uma “cultura diferente”. E como estas mudanças começam?
Se você mora, por exemplo, no centro de uma cidade onde a periferia é violenta, é pouco provável que por vontade própria as pessoas da região central se mobilizem para olhar para este tema. Agora, se a violência e a criminalidade “batem à porta” de todos na cidade de maneira indistinta, então é provável, como aconteceu em Nova Iorque, que a mobilização seja também de todos. Na essência desta mudança está a não banalização de um fato, por menor que ele seja.
Vejo hoje o Relacionamento entre empresa e cliente com o risco de se banalizar. A internet tem trazido aos profissionais de marketing algo sonhado já há muitos anos, que é ter acesso a um contato direto (ainda que através de um banner) ao seu cliente. Mesmo para empresas de varejo que sempre receberam pessoalmente seus clientes, saber quem eles são, ainda é um desafio. A internet, porém, tem rapidamente transformado clientes em números.
Você já notou que se você faz uma pesquisa em um grande site comercial, parece que aquela mensagem “te persegue” por onde quer que você vá? Mesmo depois de você já ter tomado a decisão de compra. Por trás disto existe uma complexa e gigantesca rede de anúncios, as chamadas Ad Networks. O fato de se conseguir chegar virtualmente a qualquer pessoa que esteja conectada à internet tem acelerado algo que o mercado de comunicação de forma geral já vem percebendo há pelo menos 10 anos: a queda na eficiência dos anúncios.
A causa, em minha opinião e na dos meus colegas e coautores do livro Mind the Gap, é que a visão unilateral das empresas em somente retirar dos clientes, está fazendo minguar a relação entre empresa e cliente. O que é bastante óbvio, mas pouco percebido, é que se o cliente deixa de se relacionar ou mesmo de existir, também a empresa deixa de existir. Ambos os lados deveriam ter o mesmo peso na relação. Não por uma imposição, como acontece quando uma nova lei de proteção aos direitos do consumidor é publicada. Isto para mim é indicativo de que há exploração – afinal, se é necessário proteger é porque há o reconhecimento de que alguém está atacando.
Vejo, porém, a necessidade de se enxergar o relacionamento entre empresa e cliente como algo socialmente a ser cuidado. Como referência, dentro de um casal, se um dos cônjuges é chamado a depor seja na defesa ou na procuração, o outro – caso venha a depor – terá seu depoimento ignorado. Considera-se a relação de casal como algo inviolável e que um fala em nome do outro.
As recentes solicitações da justiça, principalmente no Brasil, no caso do Facebook e Whatsapp, mostram o quanto a visão da relação cliente-empresa está sendo banalizada. Como se fosse possível invadir esta relação e acusar um dos dois lados de não cooperar para que ela seja quebrada. Assim como no caso de Nova Iorque, os problemas nas relações empresa-cliente estão começando a bater na porta de todos. Direta ou indiretamente.
Leonardo Barci é presidente da youDb