Autor: Marcos Gouvêa
A evolução da participação dos serviços no PIB de uma região tem relação direta com o nível de maturidade de cada país ou mercado. Essa é uma lógica que cada vez se torna mais clara à medida que cresce a parcela de dispêndios com serviços nos dispêndios das famílias. Essa constatação tem impulsionado o varejo global a buscar a incorporação de mais serviços pagos em seu portfólio de oferta para os consumidores como forma de ampliar as alternativas de incremento de receitas e resultados, uma vez que por sua natureza, esses serviços tendem a apresentar melhor rentabilidade num quadro de produtos cada vez mais comparáveis entre si, particularmente com a disseminação de uso cada vez mais intenso de instrumentos digitais para isso.
Há cinco anos havíamos identificado cinco ondas de serviços oferecidos pelo varejo global, sendo que as quatro últimas sinalizavam a busca de alternativas para melhoria direta de receitas e resultados e se destacava o crescimento do interesse pela expansão dessas alternativas. A primeira das cinco ondas foi aquela dos serviços oferecidos nas lojas, usualmente terceirizados, que visavam tornar mais fácil a vida dos clientes como Cambio, Embalagens para presentes, Assistência Técnica para alguns produtos, etc.
Na segunda onda o varejo avança disponibilizando serviços com sua marca, integrados com os produtos comercializados e visando o aumento das receitas de vendas, a melhoria da rentabilidade e a busca da diferenciação, com cobrança direta ou indireta. Estão nesse grupo as instalações de produtos, os projetos de decoração ou móveis modulados e a assistência técnica especializada para produtos eletrônicos, como feito pela Best Buy através de sua operação Geek Squad nos Estados Unidos ou Fnac na França.
A terceira onda é característica dos serviços financeiros oferecidos pelo varejo e inclui todas as alternativas que vão dos seguros e extensão de garantia e podem chegar até a operação de serviços bancários com a marca do varejo, como feito por Falabella no Chile, Carrefour, Walmart e Tesco em diversos países do mundo onde atuam, o Banco Azteca da Elektra no México, Marisa, Riachuelo, Renner, Magazine Luiza ou Pão de Açúcar no Brasil ou nas diversas redes de lojas da Loblaws no Canadá usando a marca própria de seus produtos, President’s Choice, para integrar seu posicionamento nas duas frentes. Inclui-se nessa onda o forte crescimento da oferta e uso dos Gift Cards com a marca do varejo, comercializados inclusive fora dos pontos de vendas próprios.
Interessante notar que nos mercados emergentes se destaca essa prática pela inovação na incorporação de serviços financeiros no varejo e pela necessidade de financiar e desenvolver novas oportunidades para consumidores com menor poder aquisitivo e um sistema bancário menos desenvolvido.
Na quarta onda o varejo avança para serviços pagos que estão fora de seu ambiente original de atuação, aproveitando as informações disponíveis sobre o perfil de consumo de seus clientes, em especial através do cartão de crédito próprio, para atender demandas e oportunidades identificadas, além de ampliar as oportunidades de relacionamento mais direto, aumentando o “share of pocket” da marca nos dispêndios dos clientes. Bons exemplos são as operações de agências de viagem feitas pelo El Corte Inglés, na Espanha, Tchibo na Alemanha, Tesco na Inglaterra, Auchan, Leader Price ou Carrefour na França, REI ou Costco nos Estados Unidos.
A quinta onda é aquela os serviços pagos que foram incubados dentro dos pontos de venda das redes, por sua crescente importância nos negócios dos conglomerados varejistas, ganham vida própria e passam a ser oferecidos em pontos próprios exclusivos. São exemplos desse movimento as agencias bancárias ou de financiamento de redes como Falabella ou Almacenes Paris e Falabella no Chile, as agencias de viagem do El Corte Ingles ou da Tchibo e as unidades de serviços financeiros como as da rede Ibi que a C&A operou durante algum tempo no Brasil, sendo posteriormente transferidas para o Bradesco.
Mas nos últimos anos, dois novos movimentos começaram a se tornar mais claros, permitindo antever a caracterização de duas novas ondas que ser tornarão ainda mais relevantes.
A sexta onda, que já se firmou e só tenderá a crescer de importância, é a dos serviços digitais oferecidos por varejistas, como o download de livros, jogos, músicas e filmes, feitos nos sites das empresas varejistas, “pure players” ou multicanais, que podem substituir ou complementar a venda dos produtos físicos nas lojas ou na própria internet. Os exemplos são inúmeros e incluem tudo que a Amazon tem feito de forma precursora, seguido por Tesco e muitos outros e no Brasil tem sido acompanhado pelas ofertas nessa mesma direção da Livraria Cultura, da Saraiva ou das diversas marcas da B2W.
A venda digital de serviços pelos varejistas é um dos campos mais férteis e de expansão do e-commerce e parte de um processo natural na curva de aprendizagem dos consumidores, agindo como elemento promotor e como reforço positivo do comportamento a partir de experiências bem sucedidas.
A sétima onda é aquela marcada pelo avanço da indústria fornecedora de produtos para a atuação no varejo com integração de serviços para atender demandas emergentes, criar novas oportunidades de negócios, gerar maior visibilidade para as marcas e desenvolver um relacionamento direto com o consumidor final. São exemplos desse movimento as operações da Nestlé com seus quiosques de café e sorvetes, das sorveterias da Haagen Darz ou Parmalat, as unidades da Danone na Espanha ou mesmo as unidades da Nativa Spa do Boticário no Brasil, onde são aplicados e comercializados produtos com venda integrada de serviços.
Um reforço muito positivo desse comportamento vem do avanço da Procter & Gamble com a implantação nos Estados Unidos de redes de lava rápido e de lavanderias integrando com suas marcas de produtos para esses segmentos, ou mesmo com a aquisição da operação The Art of Shaving, depois de também ter comprado a Gillete.
Interessante observar que a expansão desses conceitos de serviços integrados com venda de produtos pelos fabricantes e detentores das marcas, tem sido feita, de forma habitual através do modelo de negócios de franquias, buscando crescer rapidamente, incorporar experiências, reduzir o capital investido e diluir os riscos envolvidos.
Essas duas novas ondas identificadas apenas confirmam a crescente importância dos serviços pagos no varejo como resposta ao amadurecimento e desenvolvimento dos mercados e sinalizam oportunidades ainda maiores para o crescimento da importância estratégica do varejo, o que agora é mais bem percebido e incorporado pela indústria, em especial por sua ação na sétima onda.
Marcos Gouvêa é diretor geral da GS&MD – Gouvêa de Souza.