O app chinês que faz tudo

Autor: Rogério Melfi
Responder mensagens no grupo familiar, olhar os e-mails do trabalho, ver trajeto com menos trânsito para a reunião, comprar ingressos para o cinema. É cada vez mais comum para os usuários de tecnologia acessarem vários serviços ao mesmo tempo. Assim, por que não oferecer todos eles dentro de um mesmo aplicativo? É exatamente isso que o WeChat tem feito na China.
O aplicativo é um sucesso na segmentação de multifuncionalidade. Criado em 2011 pela empresa Tencent, é hoje a maior inovação e revolução tecnológica do país em acessos simultâneos via on-line. Onipresente na vida de seus mais de 1,1 bilhão de usuários, o serviço também revolucionou o uso do dinheiro na China com sua plataforma de pagamentos – movimento que deve ser observado como aprendizado por qualquer empresa do mercado financeiro.
O WeChat entrou no mercado como um serviço de troca de mensagens. Com o tempo, percebeu a oportunidade de desenvolver mais ferramentas dentro de sua plataforma e, assim, fidelizar ainda mais os usuários. Passando de um simples aplicativo de chat à um canivete suíço, que oferece diversos serviços dentro da mesma plataforma, fez com que as pessoas passassem cada vez mais tempo dentro de seu ecossistema.
Ecossistema de mini aplicativos
Dentro do WeChat os usuários podem ler notícias, distrair-se com jogos, pagar multas de trânsito, alugar bicicletas, agendar uma consulta médica ou reservar mesa num restaurante. Convencer as empresas a agregarem suas funcionalidades dentro do app ficou cada vez mais fácil porque, conforme o aplicativo fazia sucesso e aumentava seu alcance, elas buscaram integrar-se a esse ecossistema. 
Toda a integração de recursos só é possível por meio do uso das APIs (Application Programming Interface). Com essa tecnologia, os serviços parceiros são agregados e disponibilizados dentro do mesmo aplicativo e podem ser utilizados a qualquer momento. A estratégia se mostrou tão acertada que hoje o WeChat domina cerca de 1/3 do tempo que os usuários gastam quando acessam a internet mobile.
 
Carteira virtual e a revolução do dinheiro
Com uma grande base de adeptos, a Tencent lançou o WeChat Pay, wallet (carteira virtual) que permite o pagamento digital por QR Code dentro do próprio aplicativo. Atualmente, é o meio de pagamento mais comum na China, aceito até nas barracas de comida de rua. Basta apontar o celular para o QR Code exibido pelo vendedor e pronto, transação realizada.
Com essa sacada, o aplicativo revolucionou o uso da moeda no país. A China sempre teve altas taxas de população desbancarizadas e a maioria das pessoas usava dinheiro em espécie. Porém, com a chegada dessa nova forma de pagamento, a circulação de notas tornou-se desnecessária. A inovação fez os usuários migrarem do dinheiro em papel para o correspondente bancário que fazem serviços de pagamentos e transferências financeiras digitais rapidamente. Qualquer um com celular, mesmo sem conta em banco, pode receber e enviar dinheiro por sua carteira virtual do WeChat. Os usuários podem depositar valores em estabelecimentos e pontos de recarga que oferecem essa integração em sua conta no app e por lá conseguem fazer pagamentos e transferências bancárias, sem taxas de serviço. 
Atualmente, os pagamentos via WeChat Pay movimentam cerca de 4 trilhões de dólares ao ano – o que representa cerca de um terço do PIB (produto interno bruto) chinês. Já o volume médio de pagamentos diários, feitos dentro do aplicativos superou a marca de 1 bilhão de realizações em 2018. Comparado com o uso do cartão de crédito na China, a plataforma de pagamentos por QR Code conquistou muito mais os usuários.
Uso de dados como diferencial 
O WeChat desponta em relação aos aplicativos semelhantes pela análise de dados de seus usuários, derivados da Inteligência Artificial. Diferente de outros que oferecem o mesmo serviço de troca de mensagens, o app reconhece os hábitos de vida das pessoas e oferece serviços e propagandas customizadas, de acordo com o interesse do usuário. Se um lembrete de viagem for adicionado na agenda, o aplicativo indica um guia turístico ou então sugere a farmácia mais próxima assim que o usuário sai da consulta médica.
Além disso, ao seguir rigorosas políticas de monitoramento impostas pelo governo chinês, o WeChat ainda não é ameaçado por quem vem de fora. O policiamento digital do país é uma grande barreira para outros aplicativos que tentam se estabelecer por lá, mas encontram dificuldades de se adaptarem em um ambiente digital tão transparente para o governo e até para os próprios usuários. 
Tendências
O WeChat é o maior exemplo da tendência de agregar serviços em uma única plataforma. O uso do recurso de APIs permite fazer essa integração e oferecer um ecossistema completo ao usuário. Além disso, é a prova de que o universo dos serviços financeiros está em transformação. Um aplicativo de mensagens passou a ser responsável por bilhões de transações na China. Todos os bancos, operadores de cartão de crédito e adquirentes precisam ficar atentos à chegada desses novos protagonistas ao mercado para entender como se posicionar em um mercado que está se transformando com rapidez.
Solo brasileiro
O Brasil ainda caminha a passos lentos quando pensa em um super app como o WeChat. Ainda não há um aplicativo que apresente uma grande massa de usuários em escala nacional, oferecendo serviços variados em uma só plataforma.
Incrivelmente, o WeChat no Brasil tem sido usado com uma finalidade fora de seus padrões: classificado para quem procura parceiros sexuais. Função essa que a Tencent não tinha planejado. Mesmo que o app consta como proibidas atividades pornográfica, sexualmente explícita, violenta ou de outra forma de natureza adulta, talvez o impedimento não ocorra por não ser utilizado no país sede e a empresa não deve realizar uma fiscalização mais profunda.
O caso que mais se aproxima em grandiosidade ao app chinês, mas que ainda é uma promessa no Brasil, é o Rappi. A startup de serviço de entregas está em sete países da América Latina e possui uma base de 9,3 milhões de usuários ativos. Por aqui, a companhia tem crescido cerca de 30% ao mês e anexa cada vez mais funções em sua plataforma. O app já conquistou moradores das grandes cidades onde atua, mas busca expandir a base de usuários e estabelecimentos parceiros para outros centros urbanos. Assim, o Rappi ainda é uma promessa quando comparado ao sucesso chinês.
Rogério Melfi é gerente de produto na GR1D.

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