O mito do ganha-ganha

Autor: João Baptista Vilhena
Em gestão, muitos mitos vão se criando impune ou – às vezes – inocentemente. Há os que acreditam de verdade que a propaganda é a alma do negócio. Os que chegam a jurar que o cliente tem sempre razão. Além dos que defendem, com unhas e dentes, que é melhor vender alguma coisa que o cliente não quer ou não precisa comprar do que sair da entrevista sem um “pedidinho”. E por aí vai.
Nos seminários e palestras que faço, sempre procuro discutir os deletérios efeitos que a crença em alguns desses mitos acabam por produzir nas organizações.
Hoje quero conversar com você sobre um dos mais freqüentes mitos da negociação: o do método ganha-ganha.
Se formos a qualquer dicionário, verificaremos que a palavra método pode ser traduzida como forma ou processo de se fazer alguma coisa. Inspirados pelo mito, alguns negociadores chegam à conclusão que é possível percorrer cada passo do processo de negociação “ganhando” alguma coisa. Vejamos se essa ideia faz sentido.
Se toda a negociação tem origem numa divergência quanto aos meios e numa convergência quanto aos fins, o único método possível para chegar a um acordo favorável para ambas as partes é o cede-cede.
Tomemos por base uma negociação comercial. O lado (a) quer vender um produto, mas só pode entrega-lo em 90 dias. O lado (b) quer comprar o produto – eis aí a tal convergência quanto os fins – mas tem que recebê-lo em, no máximo, 45 dias – logo, há aqui uma divergência quanto aos meios. Supondo que os prazos reivindicados pelas partes sejam verdadeiros, a única forma de estabelecer o acordo é obtendo de cada lado uma concessão e, por exemplo, fechando o negócio para entrega daqui a 70 dias (ambos tiveram que ceder, não é verdade?).
Não quero aqui negar que muitas vezes as partes pedem muito mais do que consideram o mínimo aceitável. Aqui a tática é fingir que se está fazendo concessões para obter contrapartidas do outro (em outras palavras: aquilo que dizemos ser o máximo que podemos conceder é apenas o mínimo). Algumas vezes, batemos pé em uma determinada solicitação quando o que verdadeiramente queremos é algo bastante diferente (chamamos isso de agenda oculta). Nesse caso, a estratégia é levar a outra parte a conceder coisas que ela imagina não ser o nosso principal objetivo (um exemplo seria o cliente que insiste em redução de preço quando o que realmente lhe interessa é o prazo de pagamento). Mas isso é praticar o ganha-perde, não é verdade?
Existem inúmeras táticas que, embora levem ao ganha-perde, são amplamente utilizadas visando forçar o outro lado a fazer concessões acima do que seria possível considerar razoável:
Cobertor: consiste em revelar tudo aquilo que queremos para depois verificar do que abriremos mão (a analogia é: vamos deixar os pés ou a cabeça descoberta?).
Colchete: consiste em isolar aquilo que a outra parte mais deseja visando colocá-la na defensiva.
Surpresa: consiste na súbita mudança do objeto da negociação, deixando a outra parte desconcertada e despreparada para negociar.
Intimidação: consiste em ameaçar a outra parte – sugerindo encerrar a negociação imediatamente, por exemplo.
Silêncio: consiste em não emitir qualquer opinião ou crítica quanto ao que está sendo proposto, visando desorientar a outra parte.
Drible: consiste em insistir que queremos uma determinada coisa quando o que nos interessa é outra.
Autoridade limitada: consiste em criar uma instância superior que precisa ser consultada antes de darmos uma resposta final sobre uma proposta.
Mocinho/bandido: negociadores que trabalham em dupla. Um faz o papel do bonzinho e o outro é o mal.
Poderíamos aqui mencionar uma lista muito mais ampla, que envolveria truques, artimanhas e falcatruas. Ao conversarmos sobre isso com os participantes dos nossos eventos, um número muito grande afirma utilizar-se desses recursos para obter o acordo. Sua opinião é que estão agindo da forma que propõem os livros e manuais (infelizmente muitos deles realmente propõem isso) e, consequentemente, não se percebem infringindo qualquer limite ético ou moral.
Sinceramente, eu não penso assim. É por isso que sempre enfatizo que “é melhor perder um bom negócio do que fazer um mau negócio”.
Acredito sinceramente que o principal elemento da negociação é o comportamental. Por isso valorizo tanto o autoconhecimento. Mas há coisas que você, como gestor, pode incentivar a equipe a fazer para visando a melhora da performance como negociador:
a) incentive as pessoas a se debruçar sobre o processo para identificar pontos fortes da sua oferta e pontos fortes da oferta da outra parte, para que as obrigatórias concessões que farão possam ser recompensadas com vantagens – financeiras, emocionais, estratégicas – oferecidas pelo outro lado;
b) defina empatia como uma das melhores estratégias para conseguir “pensar como o outro pensa”;
c) esclareça que a ideia de ganhar em uma negociação não implica que a outra parte tenha que perder;
d) estabeleça limites de autoridade para os negociadores, permitindo que eles exercitem sua capacidade de convencimento e troca;
e) reforce comportamentos que levam a construção de confiança entre as partes e desestimule aqueles que levam os outros a desconfiar de nós.
Por último, vale a pena dizer que minha crença é que o ganha-ganha existe sim, mas não no processo. Ele é atingido quando ao final da negociação cada parte avalia as concessões que fez e as compara com os resultados que obteve e chega à conclusão que, realmente, valeu a pena todo o esforço.
João Batista Vilhena é consultor sênior do Instituto MVC. Tem 35 anos de experiência profissional em Treinamento, Consultoria e Coaching, nas áreas de educação, gestão, marketing, negociação, vendas e distribuição. É coordenador acadêmico do MBA em Gestão Comercial da FGV.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima