O tiro saiu pela culatra


Iniciado em abril como projeto-piloto nos estados de São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e Maranhão, a Nota Fiscal Eletrônica Estadual (NF-e) vem sendo aclamada como uma panacéia para alguns dos entraves burocráticos que assolam o empreendedorismo brasileiro. Ocorre que, como a NF-e é resultado de uma imposição do Governo e não de um debate amplo no Congresso Nacional, as falhas do projeto logo começaram a aparecer.

A NF-e foi vendida como uma solução moderna, que iria desonerar as empresas e, ao mesmo tempo, como uma inovação que garantiria mais eficácia à arrecadação de tributos – algo assim como uma CPMF nas relações comerciais. Na prática, no entanto, o sistema tem revelado várias falhas, resultado da ausência de discussão mais aprofundada, envolvendo as áreas afetas à questão como os consumidores, os gráficos, empresas fornecedoras de equipamentos eletrônicos – enfim a sociedade.

Ninguém nega que a introdução de novas tecnologias é uma realidade inexorável. Porém, a forma como está sendo imposta a NF-e tem mostrado os riscos de se aplicar uma idéia bem-intencionada em uma realidade complexa como é a da arrecadação brasileira.

Em primeiro lugar, além do fato de se obter, por meio da adesão voluntária das empresas, o controle total da arrecadação pela Receita Federal, o sistema tem como característica operacional a homologação prévia do documento pelo fisco. Isto quer dizer que cada documento fiscal via NF-e Estadual terá de estar previamente autorizado pela entidade fazendária para que possa ocorrer a circulação da mercadoria.

Ora, se o emitente da NF-e remeter a informação de venda para algum estabelecimento que porventura tenha pendência com o fisco, a operação não poderá ser concretizada. Em outras palavras, em tese a operação mercantil e a transação teriam de ser canceladas.

No entanto, não é preciso ter muita imaginação para perceber que a solução surgirá de forma absolutamente natural – e, na prática, significará exatamente o contrário do que espera o fisco. Para ser mais claro, o obstáculo simplesmente será contornado pela informalidade.

Um verdadeiro tiro pela culatra, uma vez que, diferentemente do que almeja a Receita, há grande risco da arrecadação cair mesmo que as empresas estejam plenamente equipadas para emitir a NF-e Estadual.

Outro aspecto que escapou às autoridades diz respeito à suposta economia que teriam as empresas ao aderir ao sistema. Ao contrário da NF-e Municipal que começou a ser implantada em setembro na cidade de São Paulo, o sistema eletrônico estadual não prevê qualquer tipo de incentivo, nem para as empresa nem para os tomadores de serviços. Estes, em São Paulo, pelo menos estão gerando um crédito de ISS que poderá ser utilizado para abater até 50% do IPTU.

No caso da NF-e Estadual, além de não oferecer qualquer estímulo, está previsto o envio obrigatório de arquivos magnéticos de operações mercantis, assim como a manutenção dos dados por período maior do que a legislação atual exige. Assim, ao invés de desonerar, o governo estará transferindo para as empresas os custos e responsabilidades fiscais advindas da adesão ao sistema.

Além disso, também não é verdadeira a argumentação de que as empresas economizariam com a eliminação da emissão e armazenagem de notas fiscais em papel. Na verdade, as empresas que deixarem de emitir a nota fiscal modelo 1 ou 1A de quatro vias, produzidas quase sempre no processo matricial, terão em contrapartida de imprimir o documento chamado Danf-e, que deverá acompanhar as mercadorias.

Ou seja, ao aderirem ao sistema as empresas terão de arcar com custos de software, hardware e sistemas que podem onerá-las em até dez vezes mais em comparação aos custos atuais, já que haverá também custos de impressão a laser e toner.

Todos estes fatos demonstram que o projeto de adoção das NF-e estaduais, vendido como panacéia de males como a evasão fiscal e os altos custos administrativos das empresas brasileiras, necessita, no mínimo, ser melhor avaliado e discutido antes de se tornar uma obrigação entre tantas outras que os empreendedores brasileiros têm de simplesmente acatar.

Antônio Leopoldo Curi é presidente da Associação Brasileira da Indústria de Formulários, Documentos e Gerenciamento de Informações (Abraform).

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