Os desafios da Internet no Brasil


Benny Spiewak

No dia 31 de maio de 2005, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) comemorou 10 anos de existência. Entidade nacional protagonista da regulamentação do mercado da Internet no Brasil, a entidade, além de outorgar o provimento de acesso à iniciativa privada, estabeleceu diretrizes fundamentais para a organização das relações na Internet entre o Governo Federal e a sociedade, especialmente no que tange a execução do registro de nomes de domínio, na atribuição e alocação de Endereço IPs (Internet Protocol) e no gerenciamento dos domínios de primeiro nível (ccTLD – country code Top Level Domain), ou seja, os nomes de domínio que contém a extensão “.br”.

Desde sua criação, o CGI enfrentou desafios que apenas um fenômeno como a Internet poderia suscitar. Do surgimento da bolha do mercado de expectativas que cercaram o ambiente virtual até sua explosão, o CGI buscou administrar e gerenciar o ambiente da Internet alinhavando interesses sociais com as especificidades técnicas e operacionais. Embora determinados questionamentos que orbitaram os trabalhos do Comitê Gestor tenham sido objeto de tratamentos específicos, tais aspectos ainda são questionáveis.

É possível destacar as questões relacionadas ao conflito gerado entre nomes de domínio e marcas comerciais, as novas modalidades de concorrência desleal propagadas por intermédio do sistema de atribuição de nomes de domínio (DNS – domain name system), os aspectos de acentuação gráfica e a própria existência do CGI e órgãos relacionados. Avaliar, ainda que brevemente tais questões é o objeto do presente texto.

Especificamente no que se refere ao conflito gerado entre nomes de domínio e marcas comerciais, destaca-se a natureza dos sistemas de atribuição de direitos sobre tais propriedades industriais, que constituem elementos que permitem a distinção de determinados produtos e atividades empresariais de outros.

Com a consolidação da Internet como ambiente no qual relações sociais ocorrem, os nomes de domínio passaram a representar a identidade “virtual” de uma sociedade empresarial. Neste sentido, ao buscar por determinada sociedade, é natural que o interessado busque por rastros de tal sociedade através da apresentação de elementos desta empresa que são conhecidos no mundo não virtual.

Assim, ao buscar por produtos da sociedade “XXX”, é aceitável que o interessado digite o endereço www.xxx.com.br. Entretanto, ao digitar tal endereço, o interessado era muitas vezes levado ao website de sociedade concorrente, o que, através de uma prática desleal de concorrência, gerava e ainda gera confusão, uma vez que o interessado poderia associar indevidamente as sociedades concorrentes, privilegiando uma em detrimento da outra.

Tal fenômeno, conhecido internacionalmente como cybersquatting, ou seja, grilagem cibernética, seria, em partes, facilitado pelas regras de registro de nomes de domínio divulgadas pelo CGI. Em síntese, as regras estabelecem o princípio do first come, first serve, ou seja, aquele que solicitou anteriormente o registro de um nome de domínio, independentemente de ser ou não concorrente de outra sociedade, tornar-se-ia titular proprietário de tal nome de domínio.

A consolidação do entendimento jurisprudencial no sentido de coibir esta prática concorrencial desleal, a existência de certo grau de discricionariedade dos órgãos concessores na atribuição de nomes de domínio que representavam marcas de renome reconhecido e a expressiva atuação de entidades supranacionais na resolução de conflitos de nomes de domínio por métodos alternativos (e.g., Organização Mundial da Propriedade Intelectual), geraram impactos positivos no cenário anteriormente estabelecido, haja vista que o fenômeno da grilagem cibernética, no nosso entendimento, vem sendo diminuído de forma importante.

Em que pese esta constatação, novos fenômenos, como o typosquatting, ou grilagem de digitação (i.e., ato de concorrência desleal que visa registrar nomes de domínio substancialmente semelhante a outros já registrados, contando com a possibilidade de erro de digitação por parte do interessado, o que o encaminharia ao endereço erroneamente digitado e não ao correto), vem adquirindo prejudicial importância no cenário da Internet e da concorrência, o que precisa ser veementemente coibido. O momento de consolidação na Internet no Brasil não mais permite que atos como este sejam propagados.

Neste sentido, uma reformulação das diretrizes do CGI deve ser cuidadosamente avaliada, assim como a aproximação do Comitê às entidades, governamentais ou não, que avaliam aspectos da Propriedade Intelectual no Brasil.

Como desafio adicional, as exigências dos usuários brasileiros de Internet sobre a impossibilidade de acesso de websites com acentuação e cedilha, foram atendidas. A partir de 09 de maio de 2005, os nomes de domínio podem empregar, nas suas composições, vogais acentuadas e cedilha.

Não obstante a possibilidade de atendimento de exigências específicas, a inovação já enfrenta ressalvas. Por exemplo, se debate que tal medida visa atender interesses econômicos dos órgãos de registro e não sociais, pois, mais do que gerar benefício aos usuários, tal alteração no sistema, gerará novas receitas a tais órgãos.

Por fim, muito se discutiu, nesses 10 anos, a relação entre o CGI e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que até então é a gestora dos recursos do Comitê. Entre os aspectos mais abordados se destacavam a competência da Fapesp para coordenar atividades de nomes de domínio no Brasil, bem como a relação de gestão de recursos mantida entre as entidades.

A criação do braço executivo do CGI, o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), significou um marco na história da Internet do Brasil. A partir de então, a raiz executiva do CGI será responsável por executar procedimentos técnicos definidos pelo CGI para a Internet no Brasil, bem como será responsável pela gestão, em conjunto com a Fapesp, dos recursos do CGI.

Os avanços da Internet no Brasil nestes 10 anos, em muito impulsionados pelo CGI, devem ser comemorados. Entretanto, mais do que consolidação, o momento exige do CGI e entidades responsáveis pelo desenvolvimento da Internet no Brasil reflexão acerca dos velhos e novos desafios da Internet, que não mais pode ser considerada apenas um novo ambiente nos quais ocorrem relações sociais, mas sim uma dinâmica e extremamente poderosa ferramenta impulsionadora de seus efeitos.

Benny Spiewak é advogado do KLA Advogados da área de Propriedade Intelectual, Comércio Eletrônico, Internet e Informática.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima