Autor: Martin Seefelder
Conversando com diversas empresas sobre Automação Robótica e Cognitiva de Processos, também conhecida como R&CA (do inglês Robotic and Cognitive Automation), percebo que o mercado brasileiro está chegando a um ponto de mudança de direção. Há alguns anos, as conversas giravam em torno do descobrimento do R&CA e quais os benefícios que essa tecnologia poderia trazer. Agora, os assuntos saem do campo da evangelização e entram no da realização.
Essa mudança é fruto do forte apelo trazido pela tecnologia, como grandes ganhos de produtividade e redução de custo, além de baixas despesas de implementação. A pesquisa The robots are waiting, realizada recentemente pela Deloitte, demonstrou que 95% das empresas tiveram suas expectativas de aumento de produtividade superadas e 94% também superaram a expectativa em relação ao custo de implantação. Outras vantagens citadas foram melhoria na conformidade dos processos, redução de custo, flexibilidade e escalabilidade e maior acesso às informações dos processos automatizados.
Por outro lado, essa mesma pesquisa demonstrou que apenas 4% das empresas conseguiram escalar sua força de trabalho virtual em 2018. Então surge a questão: se o R&CA traz tantos benefícios, por que as empresas estão enfrentando dificuldades em escalar a força de trabalho composta por robôs?
Para este questionamento, apresento três desafios encarados pelas empresas na implementação do R&CA:
– A forma como os processos estão estruturados dentro das empresas tradicionais. Um mesmo processo é executado por áreas diferentes, criando assim silos que são difíceis de serem desconstruídos e que criam variações na sua condução, geram uma visão fragmentada e acabam por reduzir o valor total que pode ser obtido com a automação. Dessa forma, os esforços de robotização acabam ficando centrados nos fragmentos de processo ao invés de focarem no processo como um todo. Diante disso, não raro é preciso se investir mais tempo alinhando e padronizando os processos do que construindo efetivamente os robôs.
– A falta de uma visão estruturada de futuro é outro problema comum e que impacta a capacidade da organização de escalar a sua força de trabalho virtual. Ao começar a trabalhar com R&CA, as organizações devem, desde o início, pensar grande, por mais que comecem pequeno. Desta forma, é possível se estabelecer metas de médio e longo prazo para automação de processos fim a fim, ao mesmo tempo em que se colhem frutos rápidos em alguns pontos que gerem maior retorno.
– Por fim, a falta de preparo das áreas de TI para lidar com esse tipo de tecnologia também acaba se tornando um obstáculo. Como o R&CA está no limite entre tecnologia e processos, é comum que a área de TI tente puxar para si a responsabilidade pela sua implementação. No entanto, a implementação de R&CA não deve ser tratada como simplesmente um desenvolvimento de software, mas sim como a capacitação de uma nova força de trabalho e uma grande oportunidade de repensar os processos da empresa, não sob a ótica passada de reengenharia de processos, mas olhando as novas oportunidades e benefícios que tecnologias como a Inteligência Artificial podem trazer para todos.
Em organizações nas quais as áreas de TI são mais resistentes, existem duas reações que são mais comuns: a primeira é tentar desenvolver integrações e customizações para os casos já identificados de automação. Embora isso, em alguns processos, possa ser o mais indicado, geralmente necessita de orçamentos e prazos muito maiores do que uma implementação de R&CA, e ao invés de colher os benefícios rapidamente, a área entra em filas intermináveis de priorização, e aguarda por capacidade e verba para efetivar a implementação; e a segunda alternativa é utilizar ferramentas de automação de testes, que embora possuam algumas das características básicas das ferramentas de R&CA, não apresentam a infraestrutura necessária para se tornarem escaláveis e realmente alcançarem todos os benefícios para o negócio que as ferramentas especializadas podem oferecer.
Por essas e outras razões, muitas organizações buscam a criação de Centros de Excelência de Automação, que são áreas multidisciplinares e de gestão conjunta entre os setores de negócio e de tecnologia. Mais do que um exercício de boa convivência, uma vez que são áreas que, não raro, entram em conflito, o desenvolvimento de um Centro de Excelência permite à organização maior agilidade nas tomadas de decisão, ao mesmo tempo em que garante que as melhores soluções tecnológicas serão adotadas, sejam elas baseadas em R&CA ou não.
Dentre os diversos papéis desempenhados por esses centros estão, principalmente, trazer inovação para o negócio por meio do redesenho dos processos de negócio face às novas tecnologias, a avaliação da melhor abordagem para a resolução de determinada necessidade com base na análise do esforço versus o benefício para o negócio e a otimização da infraestrutura tecnológica necessária para permitir uma maior reutilização de licenças e componentes robóticos.
Martin Seefelder é gerente sênior da Deloitte Brasil.