O objetivo é, inclusive, coibir os líderes assediadores que, exercendo seu poder de modo autoritário, se sintam impunes
Autor: Edson Vismona
É comum ouvirmos ou lermos comentários de que “no passado havia mais respeito e isso não acontecia”, em referência à multiplicação das denúncias de assédios (moral e sexual). Na verdade, infelizmente, a prática de assédios sempre ocorreu. O que não existia era a consciência de que esses atos fossem abusivos e muito nocivos, muito menos legislação apropriada. Faltava, também, consciência pública para condená-los e puni-los.
Nos últimos dias, a nossa sociedade ficou chocada pelas denúncias de assédio sexual, envolvendo a alta administração da Caixa Econômica Federal. A revelação de frases, gestos e atos intimidatórios contra funcionárias e funcionários apontam para práticas que eram usuais.
Lamentavelmente, sabemos que essa atitude está longe de ser rara no nosso meio social.
Quando a Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman (ABO Nacional) foi criada em 1995, esta função era incipiente. Os fundadores e fundadoras entendiam, corretamente, que as ouvidorias deveriam assumir as atribuições de representação dos legítimos interesses do cidadão, e ser exercida valorizando os direitos humanos e o sentido de participação, acolhendo as demandas dos consumidores, usuários e colaboradores das instituições públicas e privadas.
Começamos a associação com poucos associados, mas definindo valores e princípios. Logo vislumbramos como uma das prioridades organizar cursos para aperfeiçoamento profissional de ouvidoras e ouvidores, que são realizados desde 1999.
Respeitando nossa missão, em 2020, ainda em um período crítico da pandemia de coronavírus, decidimos lançar “Aqui não # Movimento contra os Assédios”.
Evidenciava-se, à época, que o distanciamento social nos lares fora acompanhado, em muitos casos, de violência doméstica, não somente física, mas também psicológica. E que a intensificação do uso das redes sociais no trabalho e no estudo, também ampliaram o assédio digital. Em verdade, constatávamos que era necessário prevenir e combater essa perversão que causa graves danos às pessoas que são vitimadas.
Esse movimento lançou um selo, convidando as instituições para aderirem à Carta Compromisso, visando à prevenção e ao combate aos assédios. Também foi estruturado o Curso Online de Capacitação “Assédios: Atenção nas Organizações”, com a proposta de preparar ouvidoras e ouvidores para acolherem as denúncias de assédio, contribuindo com as políticas internas de suas organizações, que visam a coibir e a evitar este tipo de abuso, inclusive no atendimento às disposições do ESG (práticas ambientais, sociais e de governança). Neste mês de julho, teremos a sétima edição.
Entendemos que as ouvidorias devam encampar todas as práticas que fortaleçam a cidadania, não somente nas relações de consumo. Atuar na prevenção e no combate aos assédios é obrigação de todos que pretendem viver em uma sociedade mais inclusiva, sem qualquer tipo de violência, estimulando a segurança psicológica e a convivência sadia.
Por isso é tão importante que a ouvidoria seja exercida com independência e autonomia, com mandatos definidos, respondendo às instâncias mais elevadas da instituição.
Somente dessa forma será possível agir em benefício das pessoas que nos apresentam suas demandas. Inclusive para coibir um dirigente assediador que, exercendo seu poder de modo autoritário, se sinta impune.
Ainda há um longo caminho à frente e serão necessárias muitas iniciativas e ações de conscientização, bem como o aperfeiçoamento das leis que punam os assédios, para que essas chagas sejam exterminadas de nosso cotidiano.
Nessa batalha contra assediadores, é muito importante que os ouvidores estejam preparados para estar ao lado das vítimas, a fim de enfrentar esta prática abusiva, demonstrando ser um efetivo propósito das organizações.
É com essa visão que a ABO Nacional, ciente de seus compromissos com a cidadania e os valores democráticos, se movimenta contra os assédios, realizando cursos e lives, abordando este tema em todos os foros possíveis. Elevando nossa voz, clamamos: “Não aos assédios”.
Edson Vismona, ex-secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, é advogado, fundador e presidente do Conselho Deliberativo da ABO Nacional e presidente do Instituto ETCO.