CENA 1
– 7:30h chegada ao local de trabalho
– papéis e pastas nas gavetas
– máquina de escrever elétrica (esférica, última geração)
– preparar transparências para apresentar na reunião do setor
– pedir uma ligação para a telefonista
– fazer trabalho prévio para participar no curso gerencial de trabalho em equipe (40h de duração)
– aviso de aumento de salário vindo do departamento de pessoal
– almoçar num dos 4 restaurantes da empresa, aquele do seu nível hierárquico
– pedir um relatório de dados ao CPD
– discutir com O&M uma norma de utilização da máquina “Xerox”
– estar no oitavo posto (de cima para baixo) dos 10 níveis hierárquicos existentes
– 17h15 retorno para casa
CENA 2
– 9h chegada ao local de trabalho
– micro ligado, 60 novos emails
– vídeo-conferência com parceiros da Venezuela, USA, e Hong Kong (o inglês do oriente é incompreensível!)
– reunião com o pessoal da categoria de produtos e do processo de supply chain
– 25′ de visita à intranet para preencher formulário de auto-avaliação de desempenho
– reunião com célula de trabalho para tomar decisões técnicas e de gestão de pessoas
– elaboração de relatório de custos da célula para enviar ao gerente
– conference call com fábrica e Departamento de Marketing para update de lançamentos de produtos
– verificar as metas para estimar o bônus do mês
– estar no meio dos 3 níveis hierárquicos existentes
– e o almoço??
– 21h retorno para casa mais cedo por causa de compromisso familiar
Quantos anos separam as duas cenas acima? Não é difícil de dizer: apenas 20 anos. Quantas diferenças! A única igualdade é a presença dos protagonistas. Por isso interessa ressaltar aqui não as mudanças ocorridas nestes anos e que transformaram os ambientes tão drasticamente, estas todos nós conhecemos ou experimentamos.
No entanto, parece sempre muito mais importante discutir e refletir sobre que tipo de exigências são feitas aos protagonistas das cenas de hoje do dia-a-dia organizacional, para que possam ter um desempenho adequado para sobreviver e obter sucesso profissional, em comparação àquelas exigidas dos protagonistas de ontem.
Isto porque aprendemos, depois de muitas mudanças, que as estruturas e modelos de gestão organizacionais mudaram muito mais rapidamente do que nossa capacidade de nos adaptarmos a eles, e além disso, diz-se nos meios organizacionais que as pessoas são o patrimônio mais importante das empresas. Portanto, nunca é demais buscar entender o que as empresas esperam/exigem dos seus “colaboradores” hoje.
Algumas exigências feitas hoje são velhas conhecidas: trabalho em equipe, competência interpessoal, falar outro idioma, visão de resultados e de custos, estilo participativo… Quer dizer, vem sendo desenvolvidas e discutidas com mais ênfase nos últimos 15 anos.
Outras são inéditas, por isso mais recentes: trabalhar em/com grupos virtuais, autonomia decisória, trabalhar sem supervisão permanente, desempenhar-se em estruturas matriciais, ter visão de processo, falar outros idiomas…
Acrescente-se a elas a pressão por resultados, a vivência cotidiana com o ambíguo, o intangível, o anacrônico, o virtual, o efêmero, o estressante, o rápido, e teremos um quadro fiel da luta pela sobrevivência de muitos nas organizações de hoje.
Obviamente os impactos em cada um de nós são diferentes. Alguns desenvolvem comportamentos adequados e se adaptam rapidamente sem problemas, outros sofrem para conseguir isto, outros acabam não conseguindo, porém mudam “a reboque”. Mas todos fazem esforços para decodificar as exigências, buscar entendê-las e transformá-las em comportamentos adaptados e esperados pela empresa. Este processo de busca das pessoas é intenso e interminável, assim acontece o desenvolvimento humano.
Uma das fontes de apoio a ele tem sido, inegavelmente, as explicações teóricas, as metáforas, os depoimentos de líderes de sucesso, as analogias com o esporte, a literatura de auto-ajuda, os treinamentos alternativos… todos elaborados como tentativas válidas de ajudar a compreensão da realidade organizacional de hoje e dar pistas de sobrevivência para o amanhã às pessoas.
No entanto, estas fontes não são iguais nem em profundidade nem em intenção explicativa; esta parece ser também uma característica do contexto de hoje se comparado ao de ontem. É preciso que os profissionais desenvolvam para isso outra última exigência que pode ajudar em todas as outras: a visão crítica. Somente com ela poderão selecionar as informações/explicações deste tipo que chegarão a eles em uma velocidade e quantidade sempre crescentes. Poderão identificar as “soluções” milagrosas, simplificadoras ou “de banca de aeroporto” e muitas vezes enganosas, que oferecem rapidez sem muita perda de tempo com reflexões profundas, supostamente demoradas e portanto indesejadas.
Sobreviver e desenvolver-se no contexto organizacional de hoje tornou-se, portanto, um exercício complexo e ambíguo: de um lado estar pressionado para adaptar-se rapidamente às exigências de desempenho e de outro estar exposto a uma grande quantidade de fontes não muito sustentáveis de explicações e soluções, que não tratam o comportamento humano na empresa com a profundidade e na complexidade que lhe é inerente.
Luis Felipe Cortoni é sócio-gerente da LCZ desenvolvimento de pessoas e organizações, psicólogo e professor da Fundação Vanzolini (USP).E-mail: [email protected]