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Proteção de dados ou das empresas?

Autor: Leonardo Barci
Depois da definitiva entrada em vigor da tal lei de proteção de dados no mercado europeu, me perguntei se toda esta comoção que temos passado no mundo, nos últimos, anos com relação ao uso devido – e indevido – de dados realmente faz sentido. Diz-se que as leis são necessárias para equilibrar as relações pessoais e comerciais. Será?
Há alguns milhares de anos, no local que era conhecido como o centro do mundo, alguém definiu que 10 leis seriam suficientes para levar a humidade adiante. Depois de mais algum tempo, elas foram revistas e se adequaram para apenas duas. Para mim, a primeira é a melhor referência do que é relacionamento: “Não faça aos outros aquilo que não gostaria que fizessem para você”.
Às vezes tenho a impressão de que socialmente tratamos as empresas como corpos sem alma, sem inteligência ou capacidade de discernimento. Quando uma base de dados é capaz de influenciar o resultado da eleição de um país, isso passa a ser não apenas uma questão de proteção de dados, mas sim uma questão de ética, valores e, principalmente, moralidade. É o uso e abuso do poder (dos dados) literalmente em benefício próprio.
O compêndio completo da GDPR (a tal lei) excede as 200 páginas – isso para cada língua da comunidade europeia, diga-se de passagem. São minúcias de detalhes que começam a questionar a moralidade da sociedade global.
Antes que você se pergunte se sou contra ou a favor da tal lei, posso dizer que, como profissional de marketing e dados, que trabalha há mais de 20 anos neste mercado, esta lei é certamente um marco e a melhor referência global que poderíamos ter neste momento.
Com base no projeto de lei que evolui no Senado neste momento, é provável que cheguemos em uma versão brasileira resumida, mas muito próxima da versão europeia. Definitivamente, estamos deixando para trás a última onda da revolução industrial e entrando, sem delongas, na sociedade da informação.
O que vamos fazer com todo este poder de processamento e disponibilidade de dados que temos hoje à disposição, cabe a cada um de nós, como profissionais de marketing, empresários, políticos e cidadãos definir por nós mesmos. Um dos meus sócios sempre disse que a tecnologia é capaz de resolver virtualmente qualquer problema.  “O desafio é que se você não sabe o que está fazendo, a tecnologia irá fazer exatamente a mesma coisa, só que mais rápido!”
Em uma sociedade que serve pouco, governos, empresas e pessoas com relativo poder de decisão e econômico são o ápice de uma visão egocêntrica. Se hoje já temos uma situação onde menos de 1% das pessoas detém o equivalente ao dos 99% restantes, temos, com alguma clareza, um ponto de inflexão. A informação pode equilibrar as relações, ou a coisa pode descambar de vez.
Quando se fala de relacionamento e uso de dados, a base para qualquer decisão deveria ser: servir. Para mim, servir significa duas coisas: atender as necessidades dos clientes (em última análise, uma questão social) e atender da forma como você gostaria de ser atendido.
Muitos novos negócios – se não a maioria dos bons negócios – nasceram da necessidade ou da visão clínica do próprio fundador (ou fundadores). Enquanto os dados forem utilizados para gerar, em primeiro lugar, retorno financeiro para as empresas, o cenário de retorno e contribuição social será deixado em segundo plano. E o relacionamento com os clientes? Bem, o CRM resolve! E se não formos capazes de escolher o servir como valor básico das empresas, não vejo muita perspectiva de mudança no cenário social.
De forma concreta, se coloque por um instante na cadeira de um dono de seguradora. Saber em profundidade quais são as possíveis doenças que uma pessoa pode ter (ou mesmo que ela já tem e ainda não sabe) são o Nirvana para aceitar ou não um novo cliente, ou ainda determinar o percentual a ser cobrado. Deixando até a ética de lado por um instante, a pergunta é: isso é humano? Empresarial e corporativamente é o que toda seguradora faz sem muita preocupação. A boa desculpa é que as contas precisam ser pagas, que a empresa é lucrativa e não uma ONG (Organização Não Governamental). Até para usarmos corretamente as palavras, uma ONG não significa uma organização não lucrativa.
Entretanto, imagine que você seja portador de uma doença crônica já diagnosticada. Sua cadeira agora não é mais tão confortável quanto antes. O que você busca é uma solução para o seu problema e não mais gerar retorno financeiro. Agora pense em um caminho que possa contribuir com os dois mundos ao mesmo tempo: a seguradora e um possível segurado com doença crônica preexistente. Note, não estou falando de benevolência. A boa solução é sustentável. Enquanto a seguradora olhar apenas para o seu próprio umbigo e a pessoa se colocar como vítima, as possibilidades de solução são poucas.
O que coloco é apenas um exercício mental para que você compreenda que servir é buscar uma solução para o cliente, mas que seja, ao mesmo tempo, um modelo ganha-ganha para todos. Assim, imagine que a seguradora proponha a abertura de um fundo social iniciada com um depósito e que também resolva engajar seus clientes nesta ´causa´.
Se coloque agora no lugar de um atual cliente recebendo seu envelope de fatura do mês e dentro dele há uma mensagem convite para você participar da seguinte campanha: “Estamos buscando ampliar nossa atuação para clientes que hoje não têm condições de ser atendidos por nenhum sistema de seguros. Para que pessoas com as doenças X e Y possam ser atendidas, nossa empresa abriu um fundo de assistência que irá complementar os custos de tratamento destas pessoas. Se você tiver interesse em contribuir com esta causa…”
Talvez você possa supor que os clientes irão desdenhar da oferta ou mesmo reclamar que no passado um de seus parentes teve seu seguro negado exatamente por uma destas doenças. Sim, os problemas irão surgir! Mas passada a tempestade, as chances de que coisas boas surjam desta iniciativa são grandes.
O desafio é que para isso é preciso rever profundamente os valores e a ética das empresas. A boa e velha desculpa de que o mundo gira a base do dinheiro está começando a se desgastar. Felizmente! Não há dúvida que, para isso, é preciso muita coragem e disponibilidade. De uma forma ou de outra, essa mudança irá acontecer. Eu garanto. Podemos ser protagonistas ou meros espectadores neste cenário. E sua empresa, onde escolhe se colocar?
Leonardo Barci é CEO da youDb.

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